O general, agora sem patente, perdeu mais uma. Melhor para a liberdade de expressão e o sagrado direito à manifestação do pensamento. O juiz Alessandro Ozanan, julgou totalmente improcedente a Queixa-Crime, com Pedido de Busca e Apreensão, movida pelo ex-secretário de administração penitenciária Jarbas Vasconcelos do Carmo, contra o jornalista Evandro Corrêa, editor -chefe do site O Antagônico.
Na Ação, Jarbas alegou que no dia 10 de maio de 2022 O Antagônico publicou duas matérias eivadas de falácias e que induziriam os leitores a concluírem que a gestão do querelante, frente a Secretaria de Estado de Administração Penitenciária, estaria tomada de atos ímprobos, fato que teria causado mácula em sua imagem profissional e pessoal perante a sociedade.
A queixa-crime ressalta que o jornalista teria a nítida consciência de estar produzindo e difundindo “fake news”, pois os sites da secretaria garantiam transparência aos processos licitatórios e qualquer pessoa pode requisitar informações caso possua alguma dúvida, porém nenhuma informação fora requisitada, apenas houve distorção dos fatos através de um título chamativo que induz a todos os leitores a creem que atos ilícitos estão sendo praticados.
“Entendo que às elementares do delito de calúnia não foram satisfeitas, pois, não há imputação criminosa nas matérias veiculadas, de forma expressa, implícita ou reflexa, bem assim não restou provado nos autos que as informações divulgadas eram falsas nem que o querelado tinha consciência dessa falsidade, agindo com o intuito específico de macular a honra do querelante.”
Diz o magistrado na decisão pontuando que informações obtidas a partir de publicação no Diário Oficial dispensam prévia confirmação dos fatos publicados, pois advém de fonte oficial e, portanto, são presumivelmente verdadeiras. Na sentença, o magistrado faz importante e providencial referência aos títulos das notas de “O Antagônico” :
“De certo, as matérias veiculadas foram intituladas com o uso de frases curtas estruturadas a partir de palavras-chaves e dispostas em sequência com o objetivo de condensar sua ideia central e simultaneamente chamar atenção do leitor para o corpo do texto. Contudo, tal artificio, que é inerente à atividade jornalística e à liberdade de expressão e de imprensa que lhe funda e ampara, foi utilizado de maneira ponderada e sem excessos de linguagem, de modo que a leitura posterior do corpo do texto sana quaisquer dubiedades de interpretação que o leitor pudesse ter quando do contato com os títulos das reportagens.”
“Vislumbro que os textos jornalísticos não atribuem ao querelante fato determinado de natureza desonrosa, visto que possuem caráter eminentemente informativo e, no caso da segunda matéria, também teor da situação carcerária que foi retratada pelo relatório de inspeção, não havendo, portanto, dolo específico de ofender à honra do querelante.” Sentenciou o juiz. Leia abaixo a decisão, na íntegra :
Vistos etc.
Trata-se de QUEIXA-CRIME COM PEDIDO DE BUSCA E APREENSÃO intentada pelo nacional JARBAS VASCONCELOS DO CARMO, brasileiro, casado, advogado OAB/PA nº.5206, no exercício do cargo de Secretário de Administração Penitenciária SEAP-PA, CPF nº.304.890.402-68, residente na Rua dos Pariquis, nº. 1589, Ed. Torre de Louvre, apto C1 e C2, Bairro Batista Campos, CEP 66033-590, Belém/PA, contrariamente aos nacionais SHIRLEY CASTILHO FERREIRA, brasileira, CPF nº. 429.764.722-20, residente na Trav. Alenquer, nº.128, CEP 66020-020 e Trav. 09 de janeiro, nº. 3649, Bairro Batista Campos, CEP 66015-015, e EVANDRO NESTOR DE FARIAS CORREA, brasileiro, jornalista, RG nº.371701-9 SSP/PA, CPF nº. 511.567.762-87, residente na Rod. Augusto Montenegro, nº4900, Conj. Montenegro Boulevard, Rua Ipê, Casa 289, QD 13, Parque Verde, CEP 66635-110, e-mail evandrocorrea@oantagonico.net.br e telefone 91 98126-2993, pela suposta prática dos crimes tipificados nos arts. 138, 139, 140 c/c art. 141, inciso III, e art.69, todos do Código Penal.
Recebidos os autos neste Juízo, o Ministério Público foi instado a se manifestar na condição de custos legis (ID 27016587), oportunidade em que opinou pelo prosseguimento da ação (ID 27576943). Considerando a regularidade do feito, o Juízo designou audiência de tentativa de conciliação (ID 28258932).
Na data aprazada, o querelante e o querelado EVANDRO se fizeram presentes e o Juízo conversou separadamente com cada um, sem a presença de seus advogados, do que constatou ser improvável a reconciliação entre eles, conforme ata de ID 34296338. Assim, a queixa-crime foi recebida em relação ao querelado EVANDRO em 14/10/2021, ocasião em que foi citado para apresentar resposta à acusação (ID 34296338). Num. 87097888 – Pág. 1
Concernente à querelada SHIRLEY, diante da sua ausência ao ato processual por não ter sido localizada (ID 29403460 e 35551129), foi designada nova data para audiência de tentativa de conciliação (ID 34296338) e instado o querelante para fornecimento de endereço atualizado (ID 42368105); porém, como o querelante não soube informar novo endereço, postulou a desistência do direito de queixa em relação à querelada SHIRLEY, o que foi acolhido pelo Juízo (ID 53018803), havendo o prosseguimento do feito apenas em relação ao querelado EVANDRO.
Consoante os fundamentos da decisão de ID 56182238, o Juízo indeferiu o pedido de busca e apreensão requerido. O querelado EVANDRO apresentou resposta à acusação (ID 39064433) e, não sendo caso de absolvição sumária, foi designada audiência de instrução e julgamento (ID 53018803). Durante a instrução processual, realizada por videoconferência, foi dispensada a oitiva do querelante e procedido o interrogatório do querelado conforme ata de audiência de ID 63798256. Na fase do art.402, do CPP, não houve o requerimento de diligências. Em sede de memoriais finais (ID 64394010), o querelante ratificou o pedido de condenação nos mesmos termos propostos na queixa-crime. Por sua vez, o querelado postulou, em alegações finais (ID 66508707), sua absolvição em decorrência da atipicidade dos fatos narrados na queixa-crime (art.386, III, CPP) ou em razão da insuficiência de provas (art.386, VII, do CPP).
Como fiscal da ordem jurídica, o Ministério Público opinou pela absolvição do querelado diante da atipicidade das condutas infratoras narradas na queixa-crime (ID 70074042). No documento de ID 82620842, foi coligida certidão atualizada de antecedentes criminais do querelado. Custas iniciais e finais devidamente pagas consoante comprovantes de ID 27013280 e ID 82613757. A presente sentença apenas alcança o querelado EVANDRO NESTOR DE FARIAS CORREA. É o relatório. Decido. O processo obedeceu ao rito processual cabível aos delitos em análise e foram observados o contraditório e a ampla defesa. Não existem nulidades a serem sanadas, pelo que passo a análise do mérito.
Consta da queixa-crime que, no dia 10/05/2022, o blog denominado “O ANTAGÔNICO” publicou duas matérias eivadas de falácias e que induziriam os leitores a concluírem que a gestão do querelante, frente a Secretaria de Estado de Administração Penitenciária, estaria tomada de atos ímprobos, fato que teria causado mácula em sua imagem profissional e pessoal perante a sociedade. Num. 87097888 – Pág. 2 Nesse sentido, a exordial esclarece que a primeira matéria (O JARBAS, A SEAP, A Industria De Armas e a Carabina de R$ 282 MIL) coloca o nome do querelante e da Secretaria em letras maiúsculas de modo que tal fato não teria ocorrido por erro ortográfico ou lapso e sim com o intuito de macular a imagem pública do Secretário através de “fake news”, denotando, portanto, a nítida politização da matéria jornalística e gerando graves danos à vítima. Ademais, a queixa-crime ressalta que, no caso em tela, o querelado tem a nítida consciência que está produzindo e difundindo “fake news”, pois os sites da Secretária dão transparência aos processos licitatórios e qualquer pessoa pode requisitar informações caso possua alguma dúvida, porém nenhuma informação fora requisitada, apenas houve distorção dos fatos através de um título chamativo que induz a todos os leitores a creem que atos ilícitos estão sendo praticados.
Após esta postagem inicial, a queixa-crime descreve que foi publicada outra matéria no mesmo dia, a qual afirma que o Juiz da Vara de Execuções Penais teria enviado a Corregedoria do Tribunal de Justiça do Estado um relatório, informando que os presídios do Estado do Pará se encontravam em situação deplorável e em desacordo com a Lei de Execução Penal. Diante desse cenário, a peça acusatória afirma que foram cometidos ataques virtuais e difundidas “fake news” contra o querelante (por ser titular da pasta), os quais teriam cunho político e se destinariam a desestabilizar a psique do querelante, além de abalar sua história profissional. Sendo assim, a queixa-crime imputa ao querelado o cometimento do crime de calúnia em virtude de ter afirmado que o querelante cometeu atos ímprobos em relação à aquisição de armas pelo sistema penal e em razão do descumprimento da Lei de Execução Penal pelas casas penais. Noutro giro, a peça vestibular atribuiu ao querelado a suposta prática do delito de difamação, pois, segundo o querelante, os textos publicados tentam de todas as formas macular a imagem que o querelante construiu perante a sociedade, exercendo cargos de grande relevância para o Estado e o País.
De igual sorte, a exordial responsabiliza o querelado pelo cometimento do crime de injúria em decorrência da assertiva contida no primeiro texto jornalístico divulgado – “Mais uma do Secretário de Administração Penitenciária” (textual), o que teria implicado em ofensa à dignidade e decoro do querelante como se fosse contumaz na prática de ilícitos. Em relação aos crimes imputados, a queixa-crime requereu a incidência da causa de aumento de pena prevista no art.141, III, do CP e o instituto do concurso material de crimes tipificado no art.69, do CP. Além do mais, postulou, com esteio no art.387, IV, do CPP, a fixação de valor à título de reparação por danos morais em favor do querelante, levando-se em conta a repercussão do fato e o histórico pessoal do querelado. DA MATERIALIDADE E AUTORIA DELITIVA A análise do acervo probatório produzido nos autos evidencia que materialidade e autoria delitiva dos crimes contra a honra imputados na exordial não restaram provadas. Num. 87097888 – Pág. 3 Em análise da matéria intitulada “O Jarbas, A SEAP, A Industria de Armas e a Carabina de R$ 282 Mil” (textual), verifico que o querelado inicia o texto com a assertiva “Mais uma do Secretário de Administração Penitenciária” (textual) e, em seguida, informa a respeito da publicação de portaria no Diário Oficial do Estado relativa à inexigibilidade de licitação para contratação direta com a Empresa IMBEL – Industria de Material Bélico do Brasil com o fito de aquisição de “carabina 7.62”, com valor global de R$ 282.142, 80 (duzentos e oitenta e dois mil, cento e quarenta e dois reais e oitenta centavos). A segunda matéria publicada possui como título “O Juiz, A Inspeção nas Cadeias. O Relatório Preocupante e o Caos Carcerário na Região Metropolitana” (textual) e informa a respeito de relatório de inspeção virtual correspondente aos meses de novembro e dezembro/2020, subscrito pelo Juiz Titular da Vara de Execução Penal da Região Metropolitana de Belém e enviado para a Corregedoria Geral do Tribunal de Justiça, por meio do qual são descritas as condições de estrutura e funcionamento das unidades prisionais situadas na Região Metropolitana de Belém.
A respeito das publicações em questão, o querelado foi interrogado em juízo e negou a autoria delitiva. Nesse sentido, admitiu o conteúdo das matérias publicadas, porém, sustentou que as informações com base nas quais se assentaram foram obtidas do Diário Oficial (fonte oficial), de modo que a matéria relativa à aquisição da “carabina” foi praticamente redigida a partir da reprodução/replicação do conteúdo do Diário Oficial. Sendo assim, não entrou em contato com o querelante para confirmar o teor as informações que embasaram as matérias. Outrossim, o querelado esclareceu que, diante das informações obtidas, procedeu um juízo jornalístico e deixou a intepretação das matérias a cargo do leitor. Reforçou, assim, que não teve a intenção de ofender o querelante por meio das publicações efetuadas. Em relação às reportagens, o querelado afirmou que sempre publica o direito de resposta da parte alvo das matérias, sendo que, se for o caso, procede espontaneamente a retratação do que fora escrito. Citou, genericamente, como exemplo um episódio que publicou uma matéria em relação ao querelante e, após constatados os equívocos, retratou-se. Mencionou também que já publicou matérias elogiosas à atuação do querelante. Segundo a queixa-crime, o querelado cometeu o crime de calúnia, pois os textos publicados acusam o querelante de ter cometido atos ímprobos em relação à aquisição de armas pelo sistema penal e em razão do descumprimento da Lei de Execução Penal pelas casas penais.
Todavia, entendo que as elementares do delito de calúnia não foram satisfeitas, pois, não há imputação criminosa nas matérias veiculadas, de forma expressa, implícita ou reflexa, bem assim não restou provado nos autos que as informações divulgadas eram falsas nem que o querelado tinha consciência dessa falsidade, agindo com o intuito específico de macular a honra do querelante. Sobre a primeira matéria publicada, observo que a Defesa procedeu a juntada aos autos da página do Diário Oficial do Estado, na qual consta a publicação da portaria de inexigibilidade de licitação (ID 39067268), cuja análise do seu conteúdo permite concluir que foi reproduzida em sua integralidade na matéria divulgada no blog “O Antagônico”, conforme sustentado pelo querelado em seu interrogatório judicial. Nesse particular, destaco que o Diário Oficial do Estado contém a indicação do substantivo “carabina” no singular, tal qual consta na matéria redigida pelo querelado. Concernente à segunda matéria divulgada, observo que não consta dos autos a fonte da qual se valeu o querelado para a sua redação, porém, o querelado aduziu em Num. 87097888 – Pág. 4 seu interrogatório judicial que também foi obtida do Diário Oficial. A leitura detida do seu teor evidencia o uso de linguagem essencialmente descritiva em relação às conclusões advindas do relatório concedido pelo Juiz Titular da Vara de Execução Penal da Região Metropolitana de Belém, parâmetro utilizado pelo querelado para resumir de forma crítica a situação das unidades prisionais estaduais como sendo um “absoluto caos”.
Nesse cenário, cabia à parte autora a prova de que as informações que embasaram a matéria aludida estavam respaldadas em relatório inexiste ou com conteúdo distorcido, bem assim que o querelado estivesse ciente de tais circunstâncias, ônus probatório do qual o querelante não se desvencilhou. Ademais, constato que, muito embora o querelante indique em seus memoriais finais que “(…) era de conhecimento público que no ano de 2021 as cadeias públicas não estavam mais no estado em que foram encontradas”, observo que a matéria jornalística sobre o relatório de inspeção das unidades prisionais da Região Metropolitana declara expressamente que o relatório se refere a inspeção realizada em novembro e dezembro/2020. Portanto, não há o engano assinalado pelo querelante. Além do mais, vislumbro que informações obtidas a partir de publicação no Diário Oficial dispensam prévia confirmação dos fatos publicados, pois advém de fonte oficial e, portanto, são presumivelmente verdadeiras. Sendo assim, não se mostra reprovável a conduta do querelado ao se abster a entrar em contato com o querelante para checar a informações publicadas.
De certo, as matérias veiculadas foram intituladas com o uso de frases curtas estruturadas a partir de palavras-chaves e dispostas em sequência com o objetivo de condensar sua ideia central e simultaneamente chamar atenção do leitor para o corpo do texto; contudo, tal artificio, que é inerente à atividade jornalística e à liberdade de expressão e de imprensa que lhe funda e ampara, foi utilizado de maneira ponderada e sem excessos de linguagem, de modo que a leitura posterior do corpo do texto sana quaisquer dubiedades de interpretação que o leitor pudesse ter quando do contato com os títulos das reportagens. De outro vértice, depreendo que o querelante sustenta que o conteúdo dos textos veiculados foram concebidos com o fito de macular a imagem que o querelante construiu perante a sociedade por meio do exercício de cargos de grande relevância para o Estado e o país, motivo pelo qual imputa o cometimento do crime de difamação ao querelado. Entretanto, vislumbro que os textos jornalísticos não atribuem ao querelante fato determinado de natureza desonrosa, visto que possuem caráter eminentemente informativo e, no caso da segunda matéria, também teor da situação carcerária que foi retratada pelo relatório de inspeção, não havendo, portanto, dolo específico de ofender à honra do querelante. Noutro giro, depreendo que a peça exordial atribuiu ao querelado o cometimento do crime de injúria em decorrência da assertiva contida na primeira matéria divulgada – “Mais uma do Secretário de Administração Penitenciária.” (textual), como se o querelante fosse contumaz na prática de ilícitos.
Todavia, verifico que não há como se abstrair conteúdo ofensivo do trecho sinalizado na queixa-crime, quer considerado isoladamente, quer em contexto com a matéria jornalística da qual faz parte. A expressão “mais uma” não conduz a automática ilação de natureza depreciativa quanto à pessoa do querelante ou a sua atuação como Secretário. Não há, portanto, evidências cabais quanto ao cunho injurioso do trecho em questão. Num. 87097888 – Pág. 5 Nesse cenário, entendo que o conteúdo das reportagens publicadas pelo querelado espelham o regular exercício do direito à liberdade de expressão e de imprensa, não havendo indícios de “intenção eleitoreira” ou de causar “linchamento social”, conforme argumentado pelo querelante em seus memoriais finais. Com efeito, a jurisprudência pátria já firmou o entendimento segundo o qual os crimes contra a honra demandam dolo específico para sua configuração, bem assim que as excludentes anímicas implicam na atipicidade da conduta infratora, sendo o animus consulendi (intenção de informar) e animus criticandi (intenção de criticar), aplicáveis à espécie.
Nesse sentido, colecionam-se julgados: “A denúncia deve estampar a existência de dolo específico necessário à configuração dos crimes contra a honra, sob pena de faltar-lhe justa causa, sendo que a mera intenção de caçoar (animus jocandi), de narrar (animus narrandi), de defender (animus defendendi), de informar ou aconselhar (animus consulendi), de criticar (animus criticandi) ou de corrigir (animus corrigendi) exclui o elemento subjetivo e, por conseguinte, afasta a tipicidade desses crimes” (HC 234.134/MT, Quinta Turma, Rel. Min. Laurita Vaz, DJe de 16/11/2012) (grifo do autor) “(…) É entendimento pacificado tanto pela doutrina quanto pela jurisprudência que, para caracterizar um crime contra a honra, além do dolo genérico, é necessário um especial fim de agir: o animus injuriandi vel diffamandi, consistente na vontade de ofender a honra da pessoa. No caso em tela, verifica-se que as supostas ofensas foram veiculadas por meio do livro de ocorrências do condomínio e de mensagens enviadas via WhatsApp, não tendo o recorrido imputado à recorrente, diretamente, a prática de algum crime ou ofendido individualmente a sua honra, não havendo, nos autos, a notícia de que ele se dirigiu pessoalmente a ela para insultá-la com xingamentos, os quais, ainda que a tenham desagradado, ou que sejam considerados grosseiros, não podem ensejar a criminalização do recorrido.
Ausente está o dolo específico, isto é, a intenção deliberada de ofender a honra da querelante, sendo atípica a sua conduta. 2. RECURSO CONHECIDO E IMPROVIDO à unanimidade, nos termos do voto da Desembargadora Relatora.” (TJPA, Acordão nº. 9225343, Rel. VANIA LUCIA CARVALHO DA SILVEIRA, Órgão Julgador 1ª Turma de Direito Penal, Julgado em 2022-04-25, Publicado em 2022-05-03). O Supremo Tribunal Federal já se debruçou inúmeras vezes na análise quanto aos limites de exercício do direito à liberdade de expressão e de imprensa, tendo firmado a tese segundo a qual é insuscetível de censura prévia e apresenta contornos amplos, remanescendo a proteção constitucional por mais dura, veemente e satírica que possa ser a crítica veiculada; vedados o anonimato e manifestações preconceituosas e discriminatórias. Nesse sentido, colecionam-se julgados: “(…) A liberdade de imprensa, qualificada por sua natureza essencialmente constitucional, assegura aos profissionais de comunicação social, inclusive àqueles que praticam o jornalismo digital, o direito de opinar, de criticar (ainda que de modo veemente), de buscar, de receber e de transmitir informações e ideias por quaisquer meios, ressalvada, no entanto, a possibilidade de intervenção judicial, necessariamente “a posteriori”, nos casos em que se Num. 87097888 – Pág. 6 registrar prática abusiva – inocorrente na espécie – dessa prerrogativa de ordem jurídica, resguardado, sempre, o sigilo da fonte quando, a critério do próprio jornalista, este assim o julgar necessário ao seu exercício profissional. (…)
A crítica que os meios de comunicação social e as redes digitais dirigem às pessoas públicas, por mais dura e veemente que possa ser, deixa de sofrer, quanto ao seu concreto exercício, as limitações externas que ordinariamente resultam dos direitos de personalidade. – Não induz responsabilidade civil, nem autoriza a imposição de multa cominatória ou “astreinte” (Rcl 11.292-MC/SP, Rel. Min. JOAQUIM BARBOSA – Rcl 15.243- AgR/RJ, Rel. Min. CELSO DE MELLO – Rcl 16.434/ES, Rel. Min. ROSA WEBER – Rcl 18.638/CE, Rel. Min. ROBERTO BARROSO – Rcl 20.985/SP, Rel. Min. CELSO DE MELLO, v.g.), a publicação de matéria jornalística cujo conteúdo divulgue observações em caráter mordaz ou irônico ou, então, veicule opiniões em tom de crítica severa, dura ou, até, impiedosa, ainda mais se a pessoa a quem tais observações forem dirigidas ostentar a condição de figura pública – investida, ou não, de autoridade governamental –, pois, em tal contexto, a liberdade de crítica qualifica-se como verdadeira excludente anímica, apta a afastar o intuito doloso de ofender. (STF, Rcl 31117 AgR, Relator(a): CELSO DE MELLO, Segunda Turma, julgado em 03/10/2020, PROCESSO ELETRÔNICO DJe-244 DIVULG 06-10-2020 PUBLIC 07-10-2020) (grifo nosso) “(…)O exercício concreto da liberdade de imprensa assegura ao jornalista o direito de expender críticas a qualquer pessoa, ainda que em tom áspero ou contundente, especialmente contra as autoridades e os agentes do Estado. A crítica jornalística, pela sua relação de inerência com o interesse público, não é aprioristicamente suscetível de censura, mesmo que legislativa ou judicialmente intentada.
O próprio das atividades de imprensa é operar como formadora de opinião pública, espaço natural do pensamento crítico e ‘real alternativa à versão oficial dos fatos’ ( Deputado Federal Miro Teixeira) (…)” (STF, ADPF 130, Relator(a): CARLOS BRITTO, Tribunal Pleno, julgado em 30/04/2009, DJe-208 DIVULG 05-11- 2009 PUBLIC 06-11-2009 EMENT VOL-02381-01 PP-00001 RTJ VOL-00213-01 PP-00020) “(…) Tanto a liberdade de expressão quanto a participação política em uma Democracia representativa somente se fortalecem em um ambiente de total visibilidade e possibilidade de exposição crítica das mais variadas opiniões sobre os governantes. 5. O direito fundamental à liberdade de expressão não se direciona somente a proteger as opiniões supostamente verdadeiras, admiráveis ou convencionais, mas também aquelas que são duvidosas, exageradas, condenáveis, satíricas, humorísticas, bem como as não compartilhadas pelas maiorias.. (…)” (STF, ADI 4451, Relator(a): ALEXANDRE DE MORAES, Tribunal Pleno, julgado em 21/06/2018, PROCESSO ELETRÔNICO DJe-044 DIVULG 01-03-2019 PUBLIC 06- 03-2019) (…) O legislador ordinário atentou para a necessidade de assegurar a prevalência dos princípios da igualdade, da inviolabilidade da honra e da imagem das pessoas para, considerados os limites da liberdade de expressão, coibir qualquer manifestação preconceituosa e discriminatória que atinja valores da sociedade brasileira, como o da harmonia inter-racial, com repúdio ao discurso de ódio. (…)”(STF, HC 109676, Relator(a): LUIZ FUX, Primeira Turma, julgado em 11/06/2013, PROCESSO ELETRÔNICO DJe-158 DIVULG 13-08- 2013 PUBLIC 14-08-2013) (grifo nosso) Ante as provas carreadas aos autos, entendo que as condutas infratoras relatadas na queixa-crime são atípicas, sendo forçosa a expedição de édito absolutório em face do querelado com fundo no art.386, III, do CPP. Num. 87097888 – Pág. 7
DA CONCLUSÃO
1)Por todo o exposto, com fulcro no art.386, III, do CPP, JULGO TOTALMENTE IMPROCEDENTE a QUEIXA-CRIME proposta, pelo que ABSOLVO o nacional EVANDRO NESTOR DE FARIAS CORREA, qualificado nos autos, em razão dos fatos imputados não constituírem infração penal. 2) A teor do art.804, do CPP, condeno o querelante ao pagamento das custas processuais. 3) Efetuem-se as anotações e comunicações de estilo e, havendo trânsito em julgado, dê-se baixa na distribuição e arquivem-se os autos. P.R.I.C. Belém, data registrada no sistema.
Alessandro Ozanan Juiz de Direito
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