Um plano do Brasil que tem como meta dobrar a produção de cacau para cerca de 400 mil toneladas até 2030 é algo “realista”, principalmente com ganhos de produtividade e mais investimentos nas lavouras, já que os preços elevados da matéria-prima do chocolate dão impulso adicional nessa trajetória. Esta é a avaliação de Chris Vincent, presidente da Fundação Mundial do Cacau (WCF, na sigla em inglês) e de outros apoiadores do Plano Inova Cacau 2030, lançado no ano passado pelo governo brasileiro.
O Brasil, que esteve no topo da produção mundial há várias décadas, hoje ocupa uma posição de coadjuvante no cenário global, atrás de países africanos, como Costa do Marfim e Gana, e do sul-americano Equador, entre outros. A produção brasileira é estimada na safra 2023/24 em 200 mil toneladas, representando menos de 5% do total produzido no mundo, segundo dados da Organização Internacional do Cacau (ICCO). “A meta do plano é duplicar a produção até 2030. E acho que isso é totalmente realista”, disse Vincent à Reuters, após percorrer áreas produtoras na Bahia.
O plano reúne práticas e experiências em curso da iniciativa público-privado CocoaAction Brasil, que conta com o apoio de gigantes do setor como Nestlé, Barry Callebaut (SIX:BARN), Cargill e Mondelēz International, entre outras. Com uma produção de 400 mil toneladas de cacau por ano, o Brasil poderia passar de importador líquido, comprando cerca de 45 mil toneladas no exterior, para exportador, mesmo que sua moagem suba eventualmente um pouco ante as atuais 250-275 mil toneladas.
A WCF, organização integrada pelas principais companhias e atores do setor cacau e chocolate, com foco na promoção da produção sustentável e na melhoria da renda de agricultores, avalia que um importante vetor para o crescimento da safra brasileira é o aumento da produtividade. Ainda que os dados sobre produtividade careçam de maior exatidão em diversas regiões, estima-se que o Brasil produza em média apenas 350 kg por hectare, cerca de metade de algumas regiões da África, o que indica um grande potencial para crescimento.
Segundo a WCF, há produtores no Brasil colhendo mais de mil quilos/hectare, mediante a adoção das melhores práticas agrícolas, como o adensamento das plantações e tratos culturais adequados. Assim, seria possível elevar a média com uma maior disseminação do manejo agrícola correto e outros investimentos, ainda mais em um contexto de preços alta no mercado global.
“Uma boa produtividade, digamos assim, o que nós almejamos, é no mínimo 1.000 quilos, uma tonelada por hectare. Três vezes (a média atual), no mínimo. Mas a gente consegue chegar facilmente a 1,5 tonelada por hectare fazendo práticas agronômicas simples, como a gente viu no campo…”, afirmou o diretor do CocoaAction Brasil, Pedro Ronca. “Então se aumentarmos (a produtividade) só na área que já existe, conseguimos chegar a isso (à meta do plano)”, acrescentou Ronca. Ele lembrou ainda que o Plano Inova Cacau 2030 prevê também a expansão de área da cultura em mais 120 mil hectares, ante os atuais 700 mil hectares, concentrados principalmente na Bahia e no Pará.
Esse crescimento seria também em regiões menos tradicionais. “E isso já está acontecendo principalmente em grandes fazendas que estão em áreas novas como no Cerrado. Você tem o leste da Bahia, Barreiras, Cocos, os municípios bem no oeste da Bahia. Você também tem Tocantins, você tem Rondônia também interessado. Você tem projetos no Ceará”, revelou. Ele ressaltou que ainda que o Brasil não precisa abrir novas áreas, ou desflorestar, para cultivar cacau.
Além da ocupação de pastagens, a cultura tem dividido espaço com soja e algodão em propriedades em Barreiras e em Cocos, citou Ronca, como exemplos de diversificação. “O produtor não está abandonando os outros, mas apenas buscando ter renda adicional, digamos, para diversificar a produção.”
Para o presidente da WCF, em um contexto em que os dois maiores produtores globais, Costa do Marfim e Gana, enfrentam problemas climáticos e de doenças que afetam a produção, que levaram os preços a máximas histórias em 2024, o mundo está “olhando” de onde virá mais produção no médio prazo, e a América do Sul é uma origem possível. As cotações na bolsa de Londres quase triplicaram em abril em relação ao final do ano passado, para perto de 10 mil libras por tonelada, antes de despencarem novamente, sendo negociados por volta de 5 mil libras atualmente, com uma melhora no clima para a safra de países da África.
Vincent revelou que a viagem pelas principais áreas produtoras do Brasil indica que existe uma oportunidade para a ampliação da safra no país. “O que vimos e o que tanto me impressionou nesta viagem é a maneira como os programas, que o governo e as empresas, e a CocoaAction, estão sendo executados com os municípios para entregar esses números de produção”, afirmou. Entre as iniciativas, a CocoaAction já treinou técnicos que prestam assistência a 2.600 produtores no sul da Bahia, e prevê expandir o suporte para 5.000 agricultores em um futuro próximo, disse Ronca. A entidade conta com o apoio do governo baiano e do Serviço Nacional de Aprendizagem Rural (Senar).
Embora as cotações tenham recuado ante as máximas históricas, estão ainda cerca de 2.500 libras por tonelada acima dos patamares máximos vistos nas últimas décadas, o que segue sendo importante fator impulsionador. “Você tem preços altos. O produtor tem mais dinheiro para investir em sua fazenda. Ele expande sua fazenda. Torna-se um círculo virtuoso. Então, há uma oportunidade de crescimento aí”, disse Vincent. Ronca, da CocoaAction Brasil, disse que produtores no Brasil estão recebendo prêmios de 2 mil dólares por tonelada em relação aos preços internacionais.
“Os produtores no Brasil estão obtendo o melhor preço do mundo. É uma grande vantagem. Porque, claro, se você quer obter o produto importado, tem custos para importar.”
O presidente da WCF disse que, com esses valores, a produção no Equador, Nigéria e Camarões também deverá crescer, mas o Brasil tem algumas vantagens para ganhar produtividade, uma vez que conta com uma infraestrutura agrícola estabelecida, liderando a produção de diversas commodities, e tem governos, produtores e indústrias alinhados para atingir aquelas metas.
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