Marabá. A Fazenda Mutamba. A Tentativa de Assassinato. A Tortura. Os Movimentos Sociais e a Carta



 Movimentos sociais publicaram nesta segunda-feira (14) uma nota coletiva denunciando a morte, tentativa de assassinato e tortura de trabalhadores rurais, em área ocupada por famílias sem-terra, durante uma operação da Polícia Civil do Pará, na última sexta-feira (11), em Marabá, sudeste do Pará. A nota, assinada por sete associações, entre elas a Comissão Pastoral da Terra (CPT), afirma que a operação “Fortis Status”, realizada na fazenda Mutamba, deixou dois homens mortos, identificados como Adão Rodrigues de Sousa, e Edson Silva e Silva, além de feridos. Quatro pessoas foram presas.

A Polícia Civil, por meio da Delegacia Especializada em Conflitos Agrários de Marabá (Deca), disse, em nota, que duas pessoas morreram após “entrarem em confronto com a polícia”. A operação da Deca, comandada pelo delegado Antônio Mororo Junior, informou ainda que as quatro pessoas presas são suspeitas de associação criminosa e porte ilegal de armas. 

Sobre as denúncias de morte, tentativa de assassinato e tortura, o g1 solicitou posicionamento da Polícia Civil, Polícia Militar, Secretaria de Estado de Segurança Pública e Defesa Social (Segup), mas não havia obtido resposta até a última atualização da reportagem. A área da fazenda que está em disputa tem 12.229 hectares e cinco alqueires, e está ocupada por cerca de 200 famílias sem-terra da Associação Rural Terra Prometida.

Uma decisão, de março deste ano, do juiz da Vara Agrária Regional, Amarildo José Mazutti, foi contestada pela Defensoria Pública, que alegou omissão quanto ao cumprimento da função social da terra. O juiz rejeitou o recurso, afirmando que não havia omissão ou obscuridade na decisão. Até que no fim de maio, o ministro Cristiano Zanin, do Supremo Tribunal Federal (STF), suspendeu a ordem de reintegração de posse.

Na nota coletiva, os movimentos sociais afirmam que os dois homens mortos estavam dormindo em um barracão coletivo, com outros 16 trabalhadores, quando foram surpreendidos com os gritos dos policiais “perdeu, perdeu”. “Rajadas de tiros naquela hora da madrugada e na escuridão, não houve qualquer chance de se defenderem”, diz a nota. Os movimentos sociais disseram que os dois mortos também não tinham mandados de prisão decretado e nem passagem pela polícia. Na versão da Polícia Civil, “as equipes policiais foram recebidas a tiros por um grupo de 13 homens fortemente armados, desencadeando um confronto”. Já os movimentos negam, afirmando não havia “nenhuma arma pesada”. 

A nota, assinada pela CPT, afirma que os policiais chegaram às 4h e se dividiram em dois grupos. Cada grupo seguiu para um barracão coletivo. Em um deles, “um dos policiais colocou uma faca no pescoço de um jovem […] e o ameaçou de morte caso não dissesse onde se encontrava o coordenador do grupo”.

O documento diz ainda que “a comprovação das torturas está registrada nos exames de corpo de delito” e que os quatro suspeitos presos “foram obrigados a dizerem o que o delegado queria ouvir”. Já o delegado-geral da Polícia, Walter Resende, afirmou que os “quatro criminosos […] fazem parte das atividades ilícitas investigadas, como associação criminosa, porte ilegal de armas e outros crimes”. Após a operação “Fortis Status”, a Defensoria Pública do Estado (DPE) atendeu no dia 11 de outubro, de forma presencial e virtual, famílias envolvidas no conflito agrário. 

Em um documento encaminhado à 2° Vara Criminal da Comarca de Marabá, a DPE diz que foram “executados 5 trabalhadores rurais, enquanto estes dormiam em suas redes”. A polícia, porém, confirma apenas as mortes de Adão Rodrigues de Sousa e Edson Silva e Silva. A Defensoria afirma ainda que “recebeu informações das famílias de condutas excessivas da Polícia Civil” e que no local vivem mulheres e crianças. Diante dos relatos, a DPE pediu à Justiça a suspensão imediata das medidas decretadas pela juíza Alessandra Rocha da Silva Souza, que autorizou a operação no dia 30 de setembro.

Mutamba – Cerca de 200 pessoas se encontram em área de conflito agrário onde a operação ocorreu e que são atendidas pela Defensoria Agrária. “A fazenda Mutamba, de propriedade da família Mutran, atualmente é ocupada por três grupos de famílias sem-terra, com organização independente”, informou a nota dos movimentos sociais. O imóvel rural é uma das áreas da família, que acumula histórico de conflitos contra posseiros e até casos de trabalho escravo. Em 2002, 25 pessoas foram libertadas da fazenda Mutamba. Em 2004, uma empresa pertencente à família foi autuada mais de uma vez na “lista suja” do trabalho escravo, tendo que pagar R$ 1,3 milhão por dano moral coletivo ao Fundo de Amparo ao Trabalhador – à época foi a maior indenização já paga no Brasil por caso de trabalho análogo à escravidão.

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