Enquanto para os humanos os brincos são acessórios de enfeite, para os bois sua função é prática e essencial. O brinco colocado na orelha dos bovinos desempenha um papel crucial na identificação e manejo dos animais, contendo informações importantes como a sigla do país, estado, município, criador e o número do animal. Serve, portanto, para controle do produtor e, em especial, para a rastreabilidade dos bovinos — leia-se, garantir que o animal vem de um ambiente em conformidade com a legislação.
O estado do Pará deu um passo importante, na semana passada, ao identificar individualmente para monitoramento socioambiental o primeiro boi – o animal foi batizado como “Pioneiro”. A ideia é que o processo de brincagem, como é chamado, possibilite que o rebanho tenha documentação certificada, um “RG” próprio.
Com o segundo maior rebanho do Brasil, o Pará conta atualmente com 24,84 milhões de bovinos espalhados por cerca de 165,9 mil propriedades, segundo dados da Agência de Defesa Agropecuária do Estado do Pará (Adepará). Apesar de a produção ser voltada principalmente para o mercado interno, o estado tem intensificado suas exportações, especialmente para a União Europeia, que impõe rigorosas normas sobre desmatamento.
A nova estratégia do Pará promete transformar a gestão do rebanho, oferecendo uma visão completa do percurso dos bovinos. Com base no Cadastro Ambiental Rural (CAR) e nas Guias de Trânsito Animal (GTAs), os frigoríficos, até agora, só conseguiam controlar a parte final da cadeia de fornecimento.
A expectativa é de que o novo sistema permita uma rastreabilidade completa, ajudando a garantir que os animais não tenham sido criados ou engordados em propriedades que desrespeitam normas socioambientais. Além disso, deve proporcionar melhor controle sanitário por parte do governo estadual, com registros de vacinação e de eventuais doenças.
O brinco reúne, por exemplo, dados sobre desenvolvimento, desempenho reprodutivo e outras características que permitem identificar os fornecedores de indivíduos com melhor genética para formar o rebanho. “Trata-se de um aperfeiçoamento histórico e necessário para o setor, com poder de impulsionar a transição da pecuária para uma nova realidade, livre de irregularidades ambientais e com ganhos na produtividade”, afirma Marina Guyot, gerente de Políticas Públicas do Instituto de Manejo e Certificação Florestal e Agrícola (Imaflora).
A China, maior parceiro comercial do Brasil e principal comprador da carne brasileira, também demonstra crescente preocupação com os aspectos socioambientais relacionados aos produtos que importa. No ano passado, o país asiático adquiriu 2,2 milhões de toneladas de carne do Brasil, conforme dados do Ministério da Agricultura e Pecuária (MAPA).
“Este é um avanço sem retorno, e é crucial para abrir novos mercados internacionais e demonstrar como a carne é produzida, incluindo a origem e o método de produção“, avalia o presidente do Grupo Pecuária Brasil (GPB), Oswaldo Furlan, entidade, que reúne pecuaristas e profissionais do Brasil e do exterior. Segundo Furlan, apesar dos avanços, a implementação da rastreabilidade ainda é “impositiva” e necessita de maior flexibilidade e suporte. Ele sugere uma implementação gradual, começando com aqueles produtores que já realizam rastreamento.
A oferta de gado no Brasil começará a diminuir a partir de 2025, o que deve provocar um aumento nos preços da carne bovina no país. Segundo a Datagro Pecuária, a previsão é de uma redução de 4,6% no número de abates no próximo ano e de 7,5% em 2026. Além disso, o Brasil deve exportar 3,3 milhões de toneladas de carne bovina este ano, correspondendo a um quarto das exportações globais, de acordo com as estimativas do Departamento de Agricultura dos Estados Unidos (USDA).
A redução no rebanho brasileiro ocorre em um contexto global de escassez de animais para abate, que já está afetando negativamente os resultados financeiros de grandes empresas do setor, como Tyson Foods e Cargill, nos Estados Unidos.
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