O Pleno do Tribunal de Contas dos Municípios do Pará (TCMPA) homologou voto do conselheiro Lúcio Vale, que respondeu consulta formulada pelo Sindicato dos Servidores Públicos do Município de Paragominas, solicitando esclarecimentos e o posicionamento do Tribunal sobre a aplicação do piso nacional da enfermagem. Veja a decisão abaixo:
A consulta aborda cinco quesitos:
1 – Se o piso deve ser aplicado diretamente no vencimento básico do servidor;
2 – Se a utilização do valor repassado pela União Federal ao município para atingir o piso salarial deve ter reflexos previdenciários e tributários;
3 – Se o não pagamento dos reflexos previdenciários e tributários por parte do ente municipal é legal;
4 – Se o cumprimento da Lei Federal nº 14.434/2023 e da Emenda Constitucional 127/2022 isenta o gestor municipal das implicações dos limites de gastos previsto na Lei de Responsabilidade Fiscal;
5 – E se a utilização de uma rubrica como se fosse uma mera gratificação é legal?
Ao analisar o mérito da questão, o conselheiro Lúcio Vale acompanhou, na integralidade, e adotou como resposta e fundamento decisório e balizador da consulta, os termos do Parecer Jurídico n.º120/2024/DIJUR/TCMPA, da Diretoria Jurídica da Corte de Contas, e apresentou a seguinte resposta aos quesitos da consulta nos seguintes termos: O piso salarial deve ser aplicado diretamente no vencimento básico do servidor elencado na legislação?
A Lei Federal n.º 14.434/2022 instituiu o piso salarial nacional para enfermeiras, técnicas em enfermagem, auxiliares de enfermagem e parteiras. Isso quer dizer que cada uma dessas modalidades profissionais, incluídas na categoria enfermagem, receberá um mesmo valor remuneratório mínimo em todo o país, a exemplo de precedentes já existentes na própria área da saúde (ACE´s e ACS´s) e, ainda, na educação (Piso do Magistério).
Nesse sentido, os valores fixados pela norma federal, a partir do exercício de 2023, são os seguintes: (i) R$-4.750,00 (quatro mil, setecentos e cinquenta reais) para enfermeiros; (ii) R$- 3.325,00 (três mil, trezentos e vinte e cinco reais) para técnicos de enfermagem; e (iii) R$- 2.375,00 (dois mil, trezentos e setenta e cinco reais) para auxiliares de enfermagem e parteiras.
Ainda com pertinência à verificação de cumprimento do piso nacional, registra-se que, segundo o C. STF, a carga horária considerada para o piso é de 44h (quarenta e quatro horas) semanais ou 220h (duzentas e vinte horas) mensais.
Dessa forma, o pagamento deve ser proporcional nos casos de contratos com carga horária inferior ao período mencionado, posicionamento este já evidenciado, inclusive no âmbito do TCMPA, quando da análise do piso do magistério.
Buscando a racionalização da resposta e melhor didática, englobamos no presente subtópico, os seguintes quesitos, extraídos da consulta em debate, in verbis:
“b) A utilização do valor repassado pela União Federal ao município para atingir o piso salarial deve ter reflexos previdenciários e tributários?”
“c) O não pagamento dos reflexos previdenciários e tributários por parte do ente municipal é legal?”
“d) O cumprimento da Lei Federal n° 14.434/2023 e da EC 127/2022 isenta o gestor municipal das implicações dos limites de gastos previsto na lei de responsabilidade fiscal?”
Em termos objetivos, a implementação do piso nacional da enfermagem poderá, sim, impor despesas adicionais aos cofres públicos municipais. Isso decorre do próprio julgamento da ADI 7.222-DF pelo Supremo Tribunal Federal, conforme interpretação fixada pelo Governo Federal e que se faz espelhar no nominado “Guia Prático da Enfermagem”, elaborado e publicizado pelo Ministério da Saúde.
O C. STF estabeleceu, ao menos de forma expressa, que a União deve garantir o pagamento da diferença entre o que o profissional recebe (remuneração global, exceto as parcelas indenizatórias) e o piso salarial nacional fixado em lei federal.
Assim, repita-se, até ulterior deliberação ou alteração de posicionamento, resta-nos inequívoco que 1/3 de férias, quinquênios e encargos patronais previdenciários deverão ser arcados pelos cofres municipais.
A diferenciação dessas repercussões será apenas na base de cálculo de cada uma delas.
Lado outro, em relação aos triênios e quinquênios, estes geralmente são calculados sobre o vencimento base, de tal sorte que o piso nacional não impactaria os cofres municipais. Contudo, deve ser observado o que dispõe a lei municipal acerca da base de cálculo do triênio e/ou quinquênio.
Com relação aos empregados submetidos ao Regime Geral de Previdência Social, o STF, no julgamento do Tema n.º 20 de repercussão geral (RE 565.160) assentou que “a contribuição social a cargo do empregador incide sobre ganhos habituais do empregado, quer anteriores ou posteriores à Emenda Constitucional n.º 20/1998”.
A Suprema Corte,ao analisar o Tema n.º 985 de repercussão geral (RE 1072485), salientando o caráter remuneratório e habitual da verba, placitou a legitimidade da incidência das contribuições previdenciárias patronais sobre o terço de férias gozado, não havendo a incidência apenas em se tratando de terço de férias indenizado, na forma da alínea “d” do § 9º do artigo 28 7 da Lei Federal n.º 8.212/1991.
No que concerne à incidência de contribuição previdenciária sobre os valores pagos aos servidores públicos, o STF, no julgamento do Tema n.º 163 de repercussão geral (RE 593068), adotou enfoque no sentido de que “não incide contribuição previdenciária sobre verba não incorporável aos proventos de aposentadoria do servidor público”.
No entendimento da Suprema Corte, à luz dos §§3º e 12 do art. 40 8 c/c o §11 do art. 2019, todos da CF/88, somente devem figurar como base de cálculo da contribuição previdenciária as remunerações ou os ganhos habituais que tenham “repercussão em benefícios”, considerada a dimensão contributiva do sistema. Nesse sentido, tal qual assentado no Tema n.º 163 de repercussão geral, não incide, linearmente, contribuição previdenciária do servidor público sobre o terço de férias.
Como se observa, os impactos orçamentários aos cofres municipais serão computados de forma gradativa e crescente pelos próximos 10 (dez) exercícios fiscais, onde a complementação da União aos Municípios para pagamento dos pisos salariais no exercício de 2023, para enfermeiros, para técnicos de enfermagem e para auxiliares de enfermagem e parteiras devem ser excluídas tanto da Receita Corrente Líquida como das Despesas com Pessoal, e nos exercícios subsequentes deverão reduzidas conforme estabelecido nos incisos II e III §2º do Art. 38 ADCT da CF/88.
Não há, portanto, isenção do gestor municipal quanto aos limites de gastos fixados na LRF, mas tão somente sua graduação, conforme declinado.
Em relação ao último questionamento: “Utilizar uma rubrica como se fosse uma mera gratificação é legal?”, tem-se não subsistir dúvidas quanto a legalidade no procedimento informado, na medida em que é justamente tal rubrica a ser utilizada para o repasse da complementação do piso salarial estipulado pela União.
Aponta-se que se houver aumento da remuneração dos servidores, a União deixará de repassar a complementação, já que a conta leva em consideração justamente a remuneração global, nos termos do entendimento do STF.
Consignadas as respostas aos quesitos consultivos, proponho, ainda, em meu voto, em aderência ao opinativo de nossa DIJUR, a fixação de resposta à consulta sob a forma de Prejulgado, com amparo na previsão estabelecida no art. 241 do RITCMPA 11 , dando-se, assim, repercussão geral e vinculativa da deliberação que se venha fixar. Diante do exposto, submeto, por fim, a proposta de Ementa à decisão, nos seguintes termos:
EMENTA: CONSULTA. DIREITO CONSTITUCIONAL. DIREITOFINANCEIRO. DIREITO ADMINISTRATIVO. DIREITOPREVIDENCIÁRIO. PREENCHIMENTO DOS REQUISITOS LEGAIS EREGIMENTAIS DO TCMPA. ADMISSIBILIDADE. PISO NACIONAL DAENFERMAGEM. LEI FEDERAL N.º 14.434/2022. COMPOSIÇÃO DO PISO.FORMA DE FINANCIAMENTO. EMENDA CONSTITUCIONAL Nº 127/22.
PORTARIA GM/MS Nº 597/2023.
IMPACTOS FINANCEIROS AOSMUNICÍPIOS. JULGAMENTO DOS EMBARGOS DE DECLARAÇÃO NAADI 7222/DF. MANUAIS DO GOVERNO FEDERAL/FUNDO NACIONAL DESAÚDE. LIMITE COM DESPESA DE PESSOAL. ART. 38 DO ADCT.
O piso nacional da enfermagem, instituído pela Lei Federal n.º 14.434/2022, fixou os seguintes vencimentos: R$ 4.750,00 (quatro mil, setecentos e cinquenta reais) para enfermeiros; R$ 3.325,00 (três mil, trezentos e vinte e cinco mil reais) para técnicos de enfermagem; e R$ 2.375,00 (dois mil, trezentos e setenta e cinco reais) para auxiliares de enfermagem e parteira, considerando 44 horas semanais ou 220 horas mensais.
Nos termos do art. 2º, da Lei Federal n.º 7.498/1986, “A enfermagem e suas atividades auxiliares somente podem ser exercidas por pessoas legalmente habilitadas e inscritas no Conselho Regional de Enfermagem com jurisdição na área onde ocorre o exercício”. Por isso, as(os) profissionais das categorias beneficiadas(os) pelo Piso Nacional da Enfermagem devem estar devidamente inscritas(os) no respectivo Conselho Regional de Enfermagem (Coren).
A Emenda Constitucional nº 127/2022, previu competir à União, nos termos da lei, prestar assistência financeira aos entes subnacionais, às entidades filantrópicas e aos prestadores de serviços que atendam, no mínimo, 60% de seus pacientes pelo SUS, com vista ao cumprimento dos pisos salariais.
Para fins de cálculo do piso nacional da enfermagem, a União deve transferir a diferença entre os valores estabelecidos pela Lei Federal n.º 14.434/2022 e o da remuneração global do agente, excluindo-se somente parcelas indenizatórias, nos termos do entendimento fixado pelo Supremo Tribunal Federal em sede de embargos de declaração na ADI 7.222/DF.5. O financiamento do piso nacional da enfermagem ficará a cargo da União, que repassará, mensalmente, a partir de maio de 2023, os valores aos demais entes.
O financiamento do piso nacional da enfermagem ficará a cargo da União, que repassará, mensalmente, a partir de maio de 2023, os valores aos demais entes. Até o presente momento, as repercussões do estabelecimento do piso (1/3 de férias, encargos patronais e quinquênios) deverão ser arcadas pelos municípios. A repercussão do quinquênio, caso aplicável, deve obedecer à base de cálculo prevista na respectiva lei local.
Os encargos previdenciários patronais deverão obedecer, no caso de empregados celetistas, aos Temas de repercussão geral n.º 20 (RE 565.160) e nº 985 (RE 1072485) do Supremo Tribunal Federal.
Os encargos previdenciários patronais deverão obedecer, no caso de servidores estatutários, às diretrizes fixadas no Tema de repercussão geral º 163 (RE 593068) do Supremo Tribunal Federal.
Em relação ao impacto com o limite de despesas com pessoal, deverá ser observado o art. 38 do ADCT da CF/88, de forma gradual e crescente. Fixação de repercussão geral, na forma de Prejulgado de Tese, consoante previsão do art. 241, do RITCMPA. A decisão foi tomada durante a 31ª Sessão Ordinária do Pleno, realizada na terça-feira (04), sob a condução do conselheiro Antonio José Guimarães, presidente da Corte de Contas.
Comentários
Postar um comentário