O Óleo de Palma. O Pará. A Agroplama. A Biovale. A Tauá Brasil. A Belém Bioenergia. As 1.697 Ações Trabalhistas
Quatro empresas produtoras de óleo de palma no Pará estão entre os dez empregadores com maior volume de processos no Tribunal Regional do Trabalho do estado. Juntas, Biovale, Tauá Brasil Palma, Belém Bionergia e Agropalma são processadas em 1.697 ações trabalhistas, o que representa mais de um terço de todos os processos dos dez empregadores com maior litigância no Tribunal. A Biovale atualmente pertence à BBF (Brasil BioFuels) e a Tauá Brasil Palma à Belém Bionergia.
As principais alegações dos trabalhadores rurais nos processos estão relacionadas a condições inadequadas para alimentação nas frentes de trabalho, incluindo comida de má qualidade, além do não oferecimento de água e de instalações sanitárias nesses locais, explica o desembargador Gabriel Velloso. Refeições servidas com bichos e trabalhadores obrigados a fazer as necessidades fisiológicas no mato estão entre os problemas comumente relatados.
Em novembro de 2022, o Tribunal realizou uma audiência pública sobre o tema a pedido de Velloso. O objetivo era sensibilizar as empresas a melhorarem as condições de trabalho na cadeia produtiva. O óleo de palma, extraído do dendê, é matéria-prima para a produção de biocombustíveis, além de alimentos e cosméticos. Desde 2022, empresas de aviação estão publicamente interessadas na compra de um tipo de biodiesel fabricado com óleo de palma, que pode suprir no futuro a demanda do setor aéreo por alternativas ao petróleo.
A reportagem procurou todas as empresas para comentar o levantamento. A Agropalma afirmou cumprir integralmente a legislação trabalhista brasileira, além de oferecer uma série de benefícios aos funcionários. “Acreditamos que nossas instalações estão entre as melhores da indústria de palma e todos os colaboradores em nossas refinarias, indústrias de extração e plantações têm a oportunidade de se cadastrar em nosso plano de alimentação, que fornece até três refeições diárias servidas nos refeitórios ou entregues nos abrigos de campo”, diz a empresa.
As demais companhias não quiseram se manifestar, mas o Sindicato da Indústria de Azeite e Óleos Alimentícios do Estado do Pará (Sinolpa) e a Associação Brasileira de Produtores de Óleo de Palma (Abrapalma) enviaram à Repórter Brasil um ofício em nome de todas as empresas citadas na reportagem. No comunicado , as entidades afirmam que “o alto volume de ações trabalhistas não passam de aventuras de advogados que buscam condenações a partir de apelos à fragilidade da classe trabalhadora”.
Também declaram que o “cultivo sustentável de palma de óleo, desenvolvido pelas empresas citadas na reportagem, segue rigorosamente a legislação trabalhista brasileira e suas normas regulamentadoras para garantir saúde, segurança e condições dignas de trabalho, assim como remuneração justa, alimentação equilibrada, fornecida por empresas com reconhecimento mundial no setor alimentício, e fornecimento de equipamentos de proteção individual (EPIs) e transporte coletivo adequado”. A íntegra das manifestações das empresas pode ser lida aqui.
Falta de transparência – Reclamações relacionadas à remuneração por produtividade também estão entre as mais frequentes. No meio rural, o pagamento por produção é comum em atividades como, por exemplo, a colheita, sendo o salário calculado de acordo com o volume total de frutos ou grãos colhidos.
O desembargador Gabriel Velloso explica que o pagamento depende de uma fórmula que considera a produção extraída pelos funcionários, mas que a falta de clareza sobre como é feito esse cálculo gera diversas contestações judiciais. Há ainda uma disputa pelo pagamento por horas de in itinere, que são as horas de deslocamento entre a casa e o trabalho. Um dos desafios da Justiça do Trabalho nestes processos, diz o desembargador, é que as condições impostas a um mesmo trabalhador se alteram a cada dia.
A jornada de trabalho pode ocorrer em várias propriedades. “A pessoa não sai todo dia para a mesma fazenda. Num mês vai para a fazenda x, no mês que vem vai para fazenda y, no outro mês vai para fazenda z. Essa multiplicidade de empreendimentos torna muito difícil [a avaliação das condições de trabalho]”, avalia Velloso.
Inspeções nas fazendas – Com o expressivo número de ações trabalhistas, o Ministério Público do Trabalho instaurou em 2021 o GT (grupo de trabalho) da palma. Por dois anos, foram realizadas fiscalizações em pequenas propriedades de agricultura familiar que fornecem para a agroindústria do setor. A agricultura familiar representa 20% da força de trabalho na cadeia produtiva do dendê, e complementa a produção do fruto que os fabricantes de óleo de palma obtém em suas próprias fazendas.
Os resultados das inspeções, que alcançaram 1658 trabalhadores, foram divulgados em uma audiência pública em março deste ano. A falta de carteira assinada da mão de obra e de fornecimento de equipamentos de proteção obrigatórios foram alguns dos problemas constatados. Também foram flagradas situações semelhantes às relatadas em ações judiciais contra as agroindústrias, como falta de fornecimento de água e de instalações sanitárias nas frentes de trabalho.
Para o procurador Allan de Miranda Bruno, a divulgação dos achados dos auditores é um importante “choque pedagógico” para sensibilizar a cadeia produtiva do dendê a se responsabilizar pelo fornecedor primário – o trabalhador da agricultura familiar que fornece para a empresa. “É preciso oferecer treinamento e instalações de trabalho adequados”, completa Bruno.
Outras disputas- Nos últimos anos, a cadeia produtiva do óleo de palma ficou marcada pela disputa de terras entre povos tradicionais e a agroindústria instalada no Pará. Indígenas, quilombolas e ribeirinhos locais argumentam que as plantações de dendê das empresas estão sobrepostas a territórios tradicionais.
Em agosto do ano passado, o Ministério da Justiça e Segurança chegou a autorizar o envio da Força Nacional para tentar conter o conflito que ficou conhecido como a “guerra do dendê”. Um dia antes de começar a Cúpula da Amazônia, também em agosto do ano passado, três indígenas da etnia Tembé foram baleados na entrada da BBF em Tomé-Açu (PA).
O episódio chamou atenção do Conselho Nacional de Direitos Humanos, que recomendou aos bancos credores da BBF a suspenção de financiamentos feitos à empresa, além da instauração de processos administrativos para apuração de violações contratuais.
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