O Luiz Araújo. O Adeus ao Edmilson. O Psol. A Primavera Socialista. As Acusações. A Junção com Boulos
Em carta dramática aos militantes, sindicalista diz que tendência Primavera Socialista perdeu objetivos e se transformou em um grupo de interesses, mas faz “mea culpa”. Ambos (Luiz Araújo e Aldenor Jr) integravam a direção da Primavera Socialista, uma das correntes internas do Partido Socialismo e Liberdade, o Psol.
No final do ano de 2023, depois de uma temporada integrando o secretariado de Edmilson, Luiz Araújo anunciou seu retorno para Brasília, desligando-se da administração da capital. Na sexta-feira, 01, Araújo distribuiu para militantes do Psol sua carta de despedida da corrente em que militava, anunciando sua adesão ao grupo liderado por Guilherme Boulos, que tem ainda como integrante a atual presidente do partido, Paula Coradi. O grupo foi fundado em junho de 2019, a partir da fusão de várias correntes, incluindo a Ação Popular Socialista – Corrente Comunista (APS-CC), o Coletivo Rosa Zumbi e o Somos Psol.
A Revolução Solidária (RS) é uma corrente do Psol liderada por Guilherme Boulos e surgiu da união entre a Unidade Aberta e o Movimento dos Trabalhadores sem Teto (MTST). A corrente também inclui setores do Fortalecer o Psol e parte da militância partidária das Brigadas Populares. A Primavera Socialista e a Revolução Solidária formam o campo Psol Popular, que é a maioria no partido.
_*Veja a íntegra da carta*_
Carta de desligamento da corrente Primavera Socialista
Essa deve ser uma das decisões mais difíceis da minha vida.
Desde os 15 anos dedico minha vida a transformar o mundo. E nesses 46 anos sempre estive construindo meus sonhos na mesma organização. É muito tempo, muita aposta num único caminho. Passei pelo racha sofrido pelo MEP em 82, pela fusão que formou o MCR, pela decisão de ser uma tendência interna no PT (Força Socialista), pela saída doída do PT (reconhecendo que havíamos perdido a batalha de torná-lo um instrumento de transformação social radical), pela criação da APS, ajudei a administrar o rescaldo após o racha na APS e estou aqui após a criação da Primavera Socialista. Acompanhei a entrada e saída do PT e acompanhei a entrada e luta para construir uma maioria dentro do Psol.
O que me manteve na mesma posição durante mais de quatro décadas, com tantas mudanças de conjuntura e de ambiente onde a disputa revolucionária acontecia? É uma pergunta que tem pelo menos duas respostas. A primeira que vem à minha mente é a concordância com um projeto coletivo, projeto em que vários revolucionários dedicaram a melhor época de suas vidas. A segunda, não menos importante, é que sempre fugimos do isolamento, nosso projeto sempre esteve ancorado na certeza de que uma transformação social é obra de milhões e sem dialogar com seus sentimentos seríamos apenas um grupo irrelevante e com boas ideias.
Mas, com o passar dos anos, como escrevi em documento interno ao debate do 2º Encontro da Primavera Socialista, fomos perdendo algumas características fundamentais enquanto grupo político e não tenho lido, ouvido e principalmente visto vontade ou disposição para mudar as carências e deficiências que foram se acumulando e, mesmo que lentamente, corroendo o sentido coletivo de nossa existência.
No documento “É preciso coragem para um novo começo”, escrito por mim e pela Joyce Garófalo, enumeramos as principais deficiências que acumulamos, dentre elas perda de nossa capacidade de formulação teórica, funcionamento de uma federação de grupos locais, unidos numa memória histórica comum e em objetivos comuns imediatos, não conseguimos manter um funcionamento democrático, seja no funcionamento das instâncias, em todas as esferas, seja na circulação de orientações e decisões. E mesmo os avanços pontuais de formulação não tiveram as consequências práticas necessárias, o que explica perda de várias lideranças, especialmente negras. Nos tornamos uma força relevante por que controlamos o aparato partidário, mas não temos relevância em nenhum movimento social, seja antigo ou novo.
O documento resumia nosso pensamento: “o formato que temos hoje, nosso funcionamento e nossa formulação (ou limite dela) não nos permite cumprir as tarefas de ser um agrupamento bem posicionado para a próxima fase da luta social em nosso país. Estamos diante de um esgotamento das potencialidades do que somos e isso não começou agora, mas no momento os sinais são claros e não podem ser ignorados”.
Os dois anos e meio de retorno a Belém, maior base política de nossa organização e local onde militei a maior parte da vida ao invés de me realimentar para enfrentar os problemas que precisamos resolver, deu-me a certeza de que o que achava que éramos é mais uma imagem do passado do que uma realidade do presente. Se não posso reproduzir o que somos no Pará para todo o Brasil, mas asseguro que com cores fortes é parte significativa de nossa fotografia.
No berço da Cabanagem somos grandes, temos parlamentares, governamos a capital do Estado, temos ampla maioria no Psol, mas não somos uma organização. Temos valorosos militantes, isolados e sendo formados num emaranhado de grupos de interesse, de mandatos e futuros mandatos, sem espírito de corpo, sem nenhuma discussão política relevante e formativa, sem solidariedade com os demais. Pequenos ou grandes grupos em torno de projetos pessoais ou, quando coletivos, de uma fração do coletivo. Algo desalentador.
Não me eximo das responsabilidades que me cabem no quadro que vivemos. Estive em posições de comando e devo ter feito menos do que poderia ou deveria. Vi a perda de lideranças negras incomodadas com falta de espaço e nada fiz. Vi a consolidação de projetos pessoais em várias partes e nada fiz. Aceitei determinadas práticas sempre em nome do bem maior, não deixar o Psol se tornar irrelevante. Mas não medi ou alertei o suficiente para as consequências dos caminhos escolhidos.
Por motivos de saúde não pude estar presente no debate do Encontro Nacional, mas lendo as resoluções e acompanhando os seus desdobramentos (ou não desdobramentos), fica nítido que os problemas crônicos não foram enfrentados ou foram considerados administráveis. Continuamos priorizando os calendários eleitorais e partidários e esperando por um milagre.
Certa vez, num debate com a militância da Primavera em Belém, fui chamado de romântico. Pode ser, acredito que me levanto todo dia com vontade de lutar por que acho que estou dando minha parcela de contribuição para um projeto coletivo. Vou completar 61 anos daqui a dois meses, me sobram 19 anos úteis, período produtivo e que não estarei ainda dando trabalho para outras pessoas. Sinceramente, depois de 46 anos de dedicação a um projeto que foi perdendo o sentido coletivo, deixando o sonho de transformação social em segundo plano, pretendo dedicá-los essas duas últimas décadas a um projeto que pelo menos me empolgue a me levantar e sair para lutar todos os dias. Preciso disso, é a vida que sei viver. Não vejo na Primavera mais a possibilidade de me oferecer esse sonho coletivo de mudanças que me alimente nessas últimas duas décadas de vida útil. E chegar a essa conclusão é algo profundamente dolorido para mim.
Não sei viver sem militar pela transformação social. É o que sempre deu sentido a minha existência. Seguirei fazendo o que sempre fiz, ajudando a construir projetos coletivos.
Assim, anuncio a nossa militância que estou me desligando da corrente. Tenho consciência de que quando saímos a tendência é realçar nossas falhas e defeitos, forma de evitar sangrias internas. Por isso, falhas eu reconheço de imediato. Poupo o trabalho.
Desejo que minha saída sirva de reflexão.
Luiz Araújo.
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