Na briga do mar com a praia acabou sobrando para o crustáceo. Isso é o que se pode dizer da decisão do Tribunal Superior Eleitoral, TSE, através de voto da ministra Carmem Lúcia, que desapeou dos cargos os vereadores de Belém Túlio Neves e Roni Gás, ambos do PP beneficiando diretamente Eduarda Bonanza (PP) e Simone Kahwage (União Brasil), que serão empossados nos cargos.
A bem da verdade, uma sucessão de trapalhadas feitas pelo diretório do PROS no Pará, à época o partido dos vereadores, resultou na cassação dos mandatos dos dois edis belemenses. Diga-se de passagem que prevaleceu a máxima que diz que “por um paga todos”, ou seja, os vereadores cassados não tiveram nenhum envolvimento no episódio que lhes tomou os mandatos. É aquela história da mãe que dá chinelada em todos os filhos porque ninguém se acusou e assumiu a responsabilidade do copo quebrado. Para melhor esclarecimento dos fatos os dois vereadores progressistas foram cassados porque o PROS fraudou a cota de gênero nas eleições municipais de 2020 em Belém, artifício de burla a cota feminina utilizado por dezenas de partidos Brasil afora para driblar a legislação eleitoral. Ressalte que o PROS cometeu erro ginasial quando, já em sede de troca de candidatas que haviam sido indeferidas pelo TRE paraense, apresentou 4 nomes ainda mais “enrolados”, ou seja, a emenda ficou pior que o soneto. A primeira não tinha filiação partidária; a segunda não havia sido escolhida em convenção; a terceira não apresentou nenhum documento e a quarta sequer sabia que era candidata. É de lascar o cano!! A “patuscada”, sabe-se lá porque cargas dágua, conseguiu passar no TRE paraense mais foi freada no crivo do TSE, pelas mãos da ministra Carmem Lúcia. Diferente do que decidido no acórdão recorrido, a compreensão firmada neste Tribunal Superior é no sentido de que “os percentuais de gênero previstos no art. 10, § 3º, da Lei nº 9.504/97 devem ser observados tanto no momento do registro da candidatura quanto em eventual preenchimento de vagas remanescentes ou na substituição de candidatos”. Pontou em seu voto a única mulher na alta corte da Justiça brasileira destacando que o PROS inscreveu 47 (quarenta e sete) candidaturas, sendo 32 (trinta e duas) masculinas e 15 (quinze) femininas, o que representa, respectivamente, 68,08% (sessenta e oito vírgula zero oito por cento) e 31,91%. A cota mínima para candidaturas femininas é de 30%. No entanto, a Justiça Eleitoral de Primeira Instância indeferiu 04 (quatro) candidatas e elas não foram substituídas pelo partido, ficando a legenda com apenas 28,57% do total de candidatas femininas. O erro partidário penalizou os vereadores eleitos pelo partido nas eleições de 2020.
No mês de dezembro de 2023, o TSE já havia decidido pela cassação do mandato da vereadora “Dona Neves” (PSD) também por fraude na cota de gênero. O crime eleitoral ocorreu no lançamento de candidaturas femininas fictícias para o cargo de vereador nas eleições municipais de 2020. Leia abaixo, na íntegra, o voto da ministra Carmem Lúcia:
A SENHORA MINISTRA CÁRMEN LÚCIA (Relatora): 1. O presente agravo em recurso especial eleitoral deve ser conhecido, pois os fundamentos da decisão agravada foram infirmados pelos agravantes. 2. Ao inadmitir o recurso especial, a Presidente do Tribunal de origem concluiu pela incidência das Súmulas n. 7 do Superior Tribunal de Justiça e n. 24 do Tribunal Superior Eleitoral. Assentou que “o recorrente não logrou êxito em demonstrar a expressa violação de dispositivo de lei ou constitucional, bem como divergência de interpretação de lei entre dois ou mais Tribunais Regionais” (ID 158561693). 3. Os agravantes insurgem-se quanto aos óbices indicados pela Presidente do TRE/ PA para negar seguimento ao recurso especial eleitoral. Defendem que, “havendo o registro dos temas cardeais da causa no acórdão recorrido, não há falar em reexame de fatos e provas, sendo inaplicável invocar as súmulas 07, do STJ e 24 do TSE” (ID 158561698, p. 16). Sustentam que “a petição do Recurso Especial (…) de modo explícito, apontou a violação de lei e da Constituição Federal, cumprindo seu ônus processual” (ID 158561698, p. 17). 4. Pelo quadro fático-probatório delineado no acórdão recorrido, é possível dar novo enquadramento jurídico aos fatos sem que isso caracterize reexame de fatos e provas, inviável na instância especial. O Tribunal Superior Eleitoral já decidiu que “o reenquadramento jurídico, que não se confunde com o reexame do arcabouço fático-probatório, é possível em sede extraordinária, por se tratar de quaestio iuris” (AgR-REspE n. 685-79/SP, Relator o Ministro Luiz Fux, DJe 25.10.2016). Assim, é de se dar provimento ao agravo, nos termos do § 4º do art. 36 do Regimento Interno deste Tribunal Superior. Passa-se à análise do recurso especial. 5. Razão jurídica assiste aos recorrentes. 6. No caso em exame, o TRE/PA negou provimento ao recurso eleitoral, mantendo a sentença de improcedência da AIME fundamentada na prática de fraude à cota de gênero (§ 3º do art. 10 da Lei n. 9.504/1997). Constou do voto condutor do acórdão (ID 158561687): “O cerne da controvérsia reside na possível ocorrência de fraude à cota de gênero no Demonstrativo de Regularidade de Atos Partidários (DRAP) do partido PROS, referente às eleições de 2020, do município de Belém/PA, relativamente ao cargo de vereador.
Os autores, ora recorrentes, pedem a procedência do pedido, sob a alegação de que estariam configuradas as seguintes hipóteses de fraude à lei (artigo 10, § 3º da Lei das Eleições – Lei nº 9.504/1997): 1) ‘A manipulação na composição de quota mínima e máxima de gênero, prevista § 3º, artigo 10 da Lei 9504/1997, candidaturas femininas indeferidas pela Justiça Eleitoral sem reposição/ substituição ou subtração das vagas masculinas excedentes; candidaturas femininas sabidamente inaptas e pífio desempenho eleitoral das candidatas’ (sic); 2) ‘Insurreição ao artigo 77 da RES TSE 23.610/2019 e CTA TSE 0600252-18.2018 que impôs aos partidos políticos o acesso reservado no percentual mínimo de 30% (trinta por cento) no espaço de mídia em rádio e televisão’ (sic); 3) ‘A compulsoriedade na aplicação de no mínimo 30% (trinta por cento) dos recursos do fundo partidário, para abastecer as candidaturas gênero feminino, como se infere no acórdão anexado. A Resolução TSE 23.607/2019 estabeleceu idêntica obrigatoriedade para o rateio do Fundo Especial de Financiamento de Campanha eleitoral e candidaturas sem arrecadação e sem gastos eleitorais’ (sic). Por razões didáticas, analisarei por capítulos as matérias debatidas. DO CUMPRIMENTO DO PERCENTUAL MÍNIMO DA COTA DE GÊNERO NO MOMENTO DA POSTULAÇÃO In casu, o PROS de Belém apresentou seu DRAP (autos n° 0600157-30.2020.6.14.0096, ID 20961979) para o cargo de vereador, conforme edital que reproduzo abaixo: (…) Nota-se que foram postuladas 47 (quarenta e sete) candidaturas, sendo 32 (trinta e duas) masculinas e 15 (quinze) femininas, o que representa, respectivamente, 68,08% (sessenta e oito vírgula zero oito por cento) e 31,91% (trinta e um vírgula noventa e um por cento) do quantitativo total de candidatos desta agremiação.
Assim, no momento da postulação do DRAP, o percentual de cota de gênero estabelecido pelo art. 10, § 3°, da Lei n° 9.504/97 foi observado. CANDIDATURAS EFETIVAS (DEFERIDAS E SUB JUDICE) O DRAP do PROS foi deferido no dia 19 de outubro de 2020, com sentença transitada em julgado em 26 outubro de 2020. Segue abaixo lista dos candidatos ao cargo de vereador pelo PROS, após renúncia e indeferimento, conforme dados extraídos Divulgacand (https:// divulgacandcontas.tse.jus.br/divulga/#/municipios/2020/2030402020/04278/candidatos): (…) Quanto às candidaturas femininas, os recorrentes alegam que a magistrada de 1º grau indeferiu 4 (quatro) e consignaram que as candidaturas indeferidas não foram substituídas pela legenda. Segundo os autores, a fraude à lei na situação concreta está relacionada ao fato de que o PROS não atendeu o percentual mínimo do gênero feminino ‘em todo o encadeamento do processo eleitoral’, pois ‘o total de candidaturas deferidas/aptas foi 42 (quarenta e dois) e não 41 (quarenta e um), das quais 30 (trinta) foram homens e 12 (doze) mulheres o que expressa o percentual de 71,42% x 28,57%’ (sic). Defendem, em suma, que após os indeferimentos e renúncias e considerando o montante de candidaturas deferidas, restou desatendida a regra prevista no parágrafo 3º do artigo 10 da Lei das Eleições. É preciso registrar, entretanto, que o juízo competente, em um primeiro momento, indeferiu somente 3 (três) pedidos de registro de candidaturas femininas: Aline Michelly do Socorro Valcacio Marques (ID 20961981), Elinora Corrêa (ID 20961983) e Andreia dos Santos Pinheiro (ID 20961982). A candidata Aline Marques teve seu pedido indeferido porque não possuía condição de elegibilidade, ante a ausência de filiação partidária, também não preencheu os requisitos de registrabilidade referentes à juntada correta das certidões de 1º e 2º grau (processo nº 0600159-97.2020.6.14.0096) – ID 20961981. A candidata Elinora Corrêa também teve sua candidatura indeferida por incidir causa de inelegibilidade decorrente de condenação criminal transitada em julgado, nos termos do art. 1º, II, alínea ‘e’, da Lei Complementar nº 64/90 – ID 20961983. Já Andréia Pinheiro teve seu pedido negado porque não foi escolhida em convenção partidária, não assinou o RRC, bem como não apresentou documentos essenciais ao registro de candidatura (Processo nº 0600193-72.2020.6.14.0096) – ID 20961982.
Somente após o indeferimento do requerimento de registro da candidatura (RRC) de Andréia dos Santos Pinheiro é que foi protocolado o RRC da Rita de Cássia Serrão Moraes, em 27 de outubro de 2020 (ID 20961984) – processo nº 0600486-42.2020.6.14.0096 (Andréia dos Santos Pinheiro foi substituída por Rita de Cássia Serrão Moraes). Conforme informação constante do DRAP do PROS (processo nº 0600157-30.2020.6.14.0096), inicialmente não foi solicitada a candidatura de Rita de Cássia Serrão Moraes (sentença – ID 17985511). Assim, o indeferimento do RRC de Rita de Cássia Serrão Moraes somente ocorreu posteriormente. Não bastasse isso, não procede o argumento dos recorrentes de que após o deferimento do DRAP somente as candidaturas deferidas devem ser consideradas para o cômputo do percentual de cota de gênero. Isso porque, no caso dos autos, os indeferimentos e renúncia não retiram a regularidade do DRAP, nem caracterizam ilicitude ou descumprimento da cota de gênero. Ressalto que para o cumprimento da cota de gênero não houve necessidade de arredondamento pois, conforme já demonstrado, o PROS registrou 15 (quinze) candidaturas do gênero feminino do total de 47 (quarenta e seis) candidaturas, logo, o percentual atingido foi de 31,91% (trinta e um vírgula noventa e um por cento), claramente acima do exigido pela lei. É preciso, ainda, esclarecer o arredondamento realizado pela magistrada e pela PRE. Para melhor compreensão, transcrevo a parte que interessa da sentença (ID 20962315): Desta forma, analisando-se as alterações da composição dos candidatos do PROS identificadas pela parte autora e acima delineadas, à luz do quantitativo constante na sentença ID 17985511, processo nº 0600157-30.2020.6.14.0096, que julgou o DRAP do PROS, para os cargos de vereador, no Município de Belém, nas eleições de 2020, e abstraindo-se que a candidata ELINORA CORREA disputou o pleito como sub judice, constata-se que, dos 47 (quarenta e sete) candidatos abrangidos no DRAP, em verdade, concorreram 41 (quarenta e um) candidatos ao pleito pela agremiação PROS, sendo 29 (vinte e nove) candidatos do sexo masculino e 12 (doze) candidatas do sexo feminino, o que representa 29,26 % (vinte e nove inteiros e vinte e seis centésimos por cento) do quantitativo total efetivo. Nesse diapasão, destaque-se que, por força do § 3º do art. 17 da Resolução TSE nº 23.609/2019, ‘No cálculo de vagas previsto no § 2º deste artigo, qualquer fração resultante será igualada a 1 (um) no cálculo do percentual mínimo estabelecido para um dos gêneros e desprezada no cálculo das vagas restantes para o outro’. Assim, na espécie e em tal cálculo, a fração de vinte e seis décimos por cento, conforme cálculo acima, deve ser igualada a 1 (um) no cálculo do percentual mínimo estabelecido para um o gênero feminino, atingindo o PROS o número de 30% (trinta por cento) de candidaturas do sexo feminino no pleito ao cargo de vereador para o Município de Belém, nas eleições de 2020.
Nesse ponto, data vênia, a conclusão da magistrada de 1º grau foi equivocada. Isso porque, apesar do PROS ter postulado 47 (quarenta e sete) candidaturas, o RRC de Max Pereira de Lima não foi deferido, pois conforme já demonstrado, na verdade, ele concorreu ao cargo de vice[1]prefeito. Assim, foram deferidas 30 (trinta) candidaturas do gênero masculino e 12 (doze) candidaturas do gênero feminino, no total de 42 (quarenta e duas) e não 41 (quarenta e uma). Após o julgamento dos RRC’s Conforme já dito, não cabe aferir o percentual da cota relativamente às candidaturas deferidas, pois o percentual exigido pela norma deve ser atingido na postulação e nas substituições. No momento da postulação, conforme já evidenciado, foi cumprido o percentual da cota de gênero. Da mesma forma, no momento subsequente, o partido também manteve o cumprimento do percentual exigido na norma, pois existe o fato de que a candidatura de Elinora Corrêa não pode ser desconsiderada no cômputo do percentual, ainda que tenha sido indeferida. Em verdade, a candidata Elinora Correa disputou o pleito eleitoral com registro de candidatura sub judice, conforme pode ser consultado no portal Divulgacand, o PROS optou por não substituir a sua candidatura, o que é um direito do partido, nos temos do art. 13, da Lei das Eleições. Por conseguinte, sua candidatura é legitima e não pode ser desconsiderada para o cômputo do percentual de gênero estatuído pelo art. 10, §3º da Lei nº 9.504/97. Incabível considerar sua candidatura sabidamente inapta, pelo contrário, a norma eleitoral permite (art. 51, da TSE nº 23.609/2019) que os candidatos indeferidos com recurso permaneçam realizando campanha, inclusive a candidata teve votação expressiva de 1.681 (um mil seiscentos e oitenta e um) votos e apresentou sua prestação de contas de campanha com movimentação financeira (ID 20962059). Ainda que se considerasse fraudulentas as candidaturas femininas indeferidas sem recurso (Aline Michelly do Socorro Valcacio Marques, Andreia dos Santos Pinheiro e Rita de Cassia Serrão Moraes), o partido não teria descumprido a cota de gênero, pois restariam 30 (trinta) candidaturas masculinas e 13 (treze) femininas, número superior ao percentual exigido pela norma. Em suma, tanto no momento da postulação quanto após o exame dos requerimentos de registros individuais temos o seguintes: – 47 candidaturas requeridas 32 candidaturas masculinas – 68,09% 15 candidaturas femininas – 31,91% – 43 candidaturas (42 deferidas e 1 candidatura indeferida sub judice) 30 candidaturas masculinas – 69,77% 13 candidaturas femininas – 30,23% APLICAÇÃO NO MÍNIMO 30% DO FUNDO ELEITORAL E FUNDO PARTIDÁRIO Os recorrentes alegam, ainda, que o PROS violou a regra da obrigatoriedade no rateio dos recursos do Fundo Partidário e do FEFC entre candidaturas femininas e masculinas. Em consulta ao DivulgaCand, constatei que não houve recebimento de recursos do Fundo Partidário pelas candidatas ou candidatos do PROS de Belém. Assim, não há que se falar em violação das regras de distribuição de recursos do Fundo Partidário. Constatei também que os recursos recebidos pelas candidatas e pelos candidatos do PROS, oriundo do FEFC, foram doados pelo Diretório Nacional do PROS; a prestação de contas eleitorais do Diretório Municipal do PROS não registra realização de despesa com doações a candidato algum e, nas contas que foram apresentadas pelos candidatos da grei, na municipalidade de Belém, em nenhuma delas existe registro de receita originada do respectivo órgão diretivo municipal (processo prestação de contas campanha de 2020 – 0600242-19.2020.6.14.0095) A respeito do FEFC, a Resolução de nº 23.665/2021, que alterou a redação da Resolução de nº 23.607, de 17 de dezembro de 2019, estabelece: Art. 17. O Fundo Especial de Financiamento de Campanha (FEFC) será disponibilizado pelo Tesouro Nacional ao Tribunal Superior Eleitoral e distribuído aos diretórios nacionais dos partidos políticos na forma disciplinada pelo Tribunal Superior Eleitoral (Lei nº 9.504/1997, art. 16-C, § 2º). (…) Veja-se que foi estabelecido que ‘para as candidaturas femininas o percentual corresponderá à proporção dessas candidaturas em relação a soma das candidaturas masculinas e femininas do partido, não podendo ser inferior a 30% (trinta por cento)’. Além disso, definiu-se que os percentuais de candidaturas femininas serão obtidos pela razão dessas candidaturas em relação ao total de candidaturas do partido em âmbito nacional (art. 17, § 4º, inciso II, alínea ‘a’ e ‘b’). Portanto, compete ao órgão de direção nacional realizar a distribuição desses recursos. Isso decorre do fato de que a distribuição do FEFC é centralizada. Desse modo, eventual violação às regras de distribuição do FEFC deve considerar o conjunto das candidaturas do partido no âmbito nacional, pois a distribuição do FEFC é centralizada, ou seja, compete ao órgão de direção dos partidos distribuir esses recursos, com observância das regras definidas para cada eleição. Não cabe, assim, a alegação de violação na distribuição do FEFC supostamente ocorrida no âmbito dos órgãos partidários estaduais ou municipais, pois não compete a eles distribuir os mencionados recursos. ACESSO MÍNIMO DE 30% ESPAÇO DE MÍDIA ELEITORAL DE RÁDIO E TELEVISÃO Os recorrentes alegaram que algumas candidatas do PROS não teriam realizado propaganda eleitoral no rádio e televisão, nem ocupado espaço de candidaturas efetivas nas mídias. O artigo 373, I e II, do CPC consagra, como regra, a distribuição estática do ônus da prova, fazendo recair sobre o autor o dever de comprovar os fatos constitutivos de seu direito e sobre o réu o de demonstrar os fatos impeditivos, extintivos ou modificativos do direito do autor. Ou seja, era incumbência da parte autora trazer aos autos prova de que não houve acesso das candidatas no horário gratuito de rádio e televisão. Contudo, constato que os recorrentes não trouxeram aos autos acervo probatório capaz de comprovar suas alegações, enquanto que na defesa apresentada pelos candidatos eleitos (ID 20962068), consta o vídeo de ID 20962074 que comprova o tempo de televisão garantido à uma das candidatas. Diversamente do sustentado pelos impugnantes, existem provas nos autos a respeito da realização de atos de campanha eleitoral. Na contestação (ID 20962081) foi juntada prova sobra a convocação das candidatas mulheres para as reuniões #PROSMULHERESBELÉM, conforme print abaixo: (…) No que diz respeito à candidata Elinora Correa, as fotos das páginas 8 da contestação ID 20962081 demonstram que ela realizou atos de campanha. Em verdade Elinora Correa fez campanha e ainda recebeu expressivos 1.681 (um mil seis centos e oitenta e um) votos. Além das fotografias e vídeos acima mencionados, as candidatas, mesmo não sendo obrigadas a prestar depoimento (art. 388, I do CPC), foram em juízo e apresentaram as seguintes declarações (ID 20962240):
ELINORA CORREA, devidamente qualificada nos autos, respondeu à Dra. Anne que participou das eleições 2020 como candidata pelo PROS; que já foi candidata por duas vezes; que foi candidata pelo PROS; que foi convidada a participar como candidata; que de posse da documentação correta, lançou-se candidata; que fez campanha nas ruas; que é bem quista na comunidade onde reside; que às vésperas da eleição foi avisada de que estava impugnada; que procurou advogado; que concorreu como candidata sub judice; que terminou a campanha com pouco mais de mil votos; que não recebeu nenhum recurso financeiro do PROS; que recebeu os santinhos do presidente Sidney; que sabe que ninguém recebeu nada; que quando conversava com outras candidatas ouvia que ninguém tinha recebido; que só sabe que as mulheres não receberam recursos; que não sabe relatar se isso aconteceu com os homens; que não ficava fixada no partido; que ia para as ruas correr atrás dos votos; que alertava isso também às demais candidatas. Passada a palavra aos demais advogados e à Representante do MP, eles não tiveram perguntas.
ALINE MICHELLY DO SOCORRO VALCACIO MARQUES, devidamente qualificada nos autos, respondeu à Dra. Anne que participou das eleições 2020 como candidata pelo PROS; que trabalhava numa empresa com cerca de 13 mil empregados; que tinha muitos amigos; que foi convencida a participar da campanha para trabalhar pelas mulheres; que trabalha com estética; que fez sua campanha eleitoral pela internet, por redes sociais, pois faz parte do grupo de risco diante da pandemia COVID-19, pois é hipertensa; que recebeu santinhos do Cássio Andrade e do Sidney; que a família fez uma campanha pequena pelo bairro, mas que pessoalmente não foi às ruas; que descobriu perto das eleições que tinha tido o registro indeferido por falta de documentação; que não sabe se foi por isso ou por questões de problemas na filiação. Passada a palavra aos advogados presentes, eles não tiveram perguntas. Perguntada a palavra à Representante do MP, respondeu que foi voluntariamente ao partido; que um amigo apresentou a ficha e depois foi procurar o Sidney, presidente do partido para entregar as documentações para candidatura; que foi muito bem recebida; que o presidente do partido disse que seria bem votada devido à função que exercia na empresa; que receberia apoio do partido; que na prática não recebeu nenhum apoio; que apenas recebeu santinhos do Cássio Andrade e do presidente do partido.
ANDREIA DOS SANTOS PINHEIRO, devidamente qualificada nos autos, respondeu à Dra. Anne que participou das eleições 2020 como candidata pelo PROS; que a campanha foi bastante intensa; que teve problemas na documentação do registro, mas participou de tudo, da convenção, caminhadas etc; que ao final não pode concorrer por problemas na documentação; que só soube que teve seu registro indeferido dois dias antes da eleições; que foi informada desse fato pelo contador do partido; que os problemas eram a foto e uma certidão que não foram juntadas; que não recebeu nenhum recursos financeiro; que abriu as contas, mas que só recebeu materiais. O TSE já se posicionou no sentido de que ‘conquanto o depoimento pessoal não esteja previsto no art. 5º da LC nº 64/90, pode ser produzido embasado nos arts. 5º, LV e LIV, da CF – direito a prova 361, II, e 369, ambos do CPC (aplicável supletiva e subsidiariamente)’ (Embargos de declaração conhecidos como agravo regimental ao qual se nega provimento – Recurso Especial Eleitoral nº 319, Acórdão, Relator Min. Tarcísio Vieira De Carvalho Neto, Publicação: DJE – Diário da justiça eletrônico, Tomo 049, Data 12/03/2020, Página 16-17). Observa-se que em sede de depoimento pessoal as recorridas admitem que foram candidatas. Os depoimentos são coesos e uníssonos, além do mais encontram-se harmônicos com os demais elementos de prova dos autos. In casu, os impugnantes, ora recorrentes, alegam que quatro candidaturas femininas que disputaram as Eleições de 2020 em Belém pelo PROS seriam fictícias em razão da ausência de arrecadação e gastos de campanha: Assima Feio de Avelar, Maria da Conceição Borges, Mariana Ricarla Cunha e Fabricia Jorgette Lira Ribeiro. Nesse contexto, o ponto em comum entre as candidatas em comento seria a apresentação de contas zeradas. Percebe-se que o quadro fático acertado nos autos consiste na inexistência de arrecadação de recursos ou gastos eleitorais. Cabe indagar se essas seriam circunstâncias fáticas suficientes para demonstrar sem dúvida a fraude à lei eleitoral. A sentença recorrida entendeu de forma negativa. Segue trecho da decisão (ID 20962315):
Neste sentido, foi alegada pela parte autora conduta fraudulenta decorrente do baixíssimo desempenho e/ou inexpressividade na votação nominal das candidatas ASSIMA FEIO DE AVELAR (33 VOTOS), MARIA DA CONCEIÇÃO BORGES (26 VOTOS), MARIANA RICARLA CUNHA (14 VOTOS) e FABRÍCIA RIBEIRO (12 VOTOS). A respeito, registro entendimento no sentido de que uma votação inexpressiva não pode ser tomada como fato que conduz, necessariamente, a uma candidatura fictícia, a qual deve decorrer de um contexto. Muitos candidatos do sexo masculino e também do gênero feminino possuem votações inexpressivas, o que pode decorrer de incontáveis fatores, e não apenas de uma candidatura fictícia, como de fato ocorreu com candidatos e candidatas de muitos partidos nas últimas eleições, que tiveram votação inferior as das citadas demandas, inclusive confrontando-se com candidatas do partido autor. … Ainda nesse turno, ‘a inexistência ou pequena quantidade de votos, a não realização de propaganda eleitoral, a desistência ou o oferecimento de renúncia no curso das campanhas não configuram, por si sós, condições suficientes para caracterizar burla ou fraude à norma, sob pena de restringir-se o exercício de direitos políticos com base em mera presunção’ (TRE/ RS, Recurso Eleitoral nº 48346, Acórdão de 26/02/2018, DEJERS de 28/02/2018, página 4), pelo que resta prejudicada a análise da jurisprudência que possui entendimento em sentido oposto.
De outro lado, quanto à alegação de que as candidaturas de ASSIMA FEIO DE AVELAR, MARIA DA CONCEIÇÃO BORGES, MARIANA RICARLA CUNHA e FABRÍCIA RIBEIRO não realizaram propaganda eleitoral (conforme atesta as prestações de contas) e nem ocuparam espaços próprios de candidaturas efetivas, observo que a parte autora não trouxe aos autos provas de suas alegações, ao passo que as fotos das páginas 11 a 13 das contestações ID 78618960 e 78665935, de páginas 19 e 20 da defesa ID 78622857 e das páginas 17 a 19 das contestações ID 78618960 e 78665935, demonstram que elas tiveram efetiva participação na disputa eleitoral, inclusive com visitas a bairros de Belém. Ademais, observe-se que é justificável que a candidata FABRICIA JORGETTE LIRA RIBEIRO – FABRICIA LIRA tenha obtido votação inexpressiva diante do fato de que na convenção partidária escolheu o número 90313 (conforme propaganda de página 15 das contestações ID 78618960 e 78665935), porém foi registrada com o número 90789, uma vez que ela teria trabalhado todo o processo eleitoral com a numeração 90313, sua escolha na convenção, conforme vídeo para divulgação em mídia social e, apenas no dia da eleição foi informada por seus eleitores de que seu número não constava na urna eletrônica. Ressalte-se ainda que foi informado nos autos que nenhum dos candidatos do PROS teve espaço de rádio e televisão, diante da falta de recursos do partido para o pagamento dos custos com propaganda eleitoral no rádio e televisão. Desta forma, resta prejudicado o exame da jurisprudência segundo a qual a ausência de propaganda eleitoral no espaço de rádio e televisão geraria o descumprimento do percentual mínimo de 30% (trinta por cento) para as candidaturas do gênero feminino.
Quanto à alegação de que as demandadas ASSIMA FEIO DE AVELAR, MARIA DA CONCEIÇÃO BORGES, MARIANA RICARLA CUNHA e FABRÍCIA RIBEIRO não teriam recebido aporte financeiro público para suas campanhas, conforme prestação de contas das eleições de 2020 do diretório municipal de Belém do PROS, anexa às contestações ID 78618960 e 78665935, objeto do documento ID 78618992, e imagem de da página 20 da contestação ID 78618960, não houve repasse de recursos do Fundo Partidário ou do FEFC do diretórios nacional ou estadual para a agremiação municipal, pelo que, consequentemente, esse não distribuiu a nenhum de seus candidatos ou candidatas. A candidata FABRICIA JORGETTE LIRA RIBEIRO, por sua vez, recebeu aporte financeiro do Fundo Especial de Financiamento de Campanha de R$ 2.800,00 (dois mil e oitocentos reais), porém, não fez uso deste, conforme consta do extrato de prestação de contas final (ID 78618990). Desta forma, a parte autora não comprovou que o diretório do Estado do Pará ou do Município de Belém, do partido PROS, teria recebido e distribuído, para seus candidatos ao cargo de vereador deste Município, em 2020, recursos do fundo partidário ou do fundo especial de financiamento de campanha eleitoral, sendo que tal agremiação informou que não recebeu verbas destes fundos em 2020, pelo que não incidiriam as delineações do STF fixadas na ADI nº 5617. Neste ponto, a sentença proferida não merece reparo, conforme demonstrarei. A candidata Fabricia Jorgette Lira Ribeiro teve 12 (doze) votos. Além disso, não apresentou conta zerada, ao contrário, consta que recebeu verba do Fundo Especial de Financiamento de Campanha (FEFC) no valor de R$ 2.800,00 – PC nº 0600178-09.2020.6.14.0095. Apesar da inexistência de gastos eleitorais das candidatas Assima Feio de Avelar, Maria da Conceição Borges e Mariana Ricarla Cunha (PC nº 0600221-50.2020.6.14.0028; PC nº 0600292-52.2020.6.14.0028 e PC nº 0600195-45.2020.6.14.0095), elas obtiveram 33 (trinta e três), 26 (vinte e seis) e 14 (quatorze) votos, respectivamente. Não bastasse isso, Assima Feio de Avelar confirmou em juízo sua participação na disputa eleitoral, inclusive declarou que: já foi candidata por duas vezes; que foi candidata pelo PROS; que fez uma campanha bonita, andando pelo bairro da sacramenta e por outros bairros; que tinha como candidato a prefeito Cássio Andrade; que foi às ruas caminhar pedindo votos; que ficou triste consigo mesma porque teve poucos votos; que se aperfeiçoou e se esforçou para concorrer em 2020 (ata – ID 20962240).
Da mesma forma, Fabricia Ribeiro, em depoimento, confirmou que foi candidata pelo PROS e que gravou programa de TV. Esclareceu que: é cabelereira e investiu na campanha; que mandou fazer panfletos, porque não tinha recebido materiais; que recebeu uma mensagem para mandar o número porque o partido iria mandar fazer os santinhos; que somente depois percebeu que o número divulgado não era o seu; que o número dos materiais recebidos pelo partido era o 90913, que já tinha divulgado muito o primeiro número recebido, mas que voltou a fazer campanha com o número correto; que no início da votação as pessoas começaram a lhe contar que estavam tentando votar nela, mas que o número não era o seu; que percebeu que o número correto era o primeiro, o 90789; que ficou deprimida por conta disso; que muitos do PROS ajudaram na campanha ( ata – ID 20962240). Observa-se que não há prova nos autos apta a demonstrar o prévio ajuste de vontades ou o conluio entre as candidatas apontadas como fictícia e o partido em questão. Diversamente, do que foi alegado pelos recorrentes, as candidatas recorridas, deliberadamente, assinaram a autorização para figurar como candidatas nas eleições de 2020, bem como confirmaram em juízo suas participações no pleito, não sendo possível afirmar que houve qualquer vício de consentimento, imprescindível para a caracterização do ardil. Infere-se, assim, que o partido PROS de Belém-PA garantiu meios necessários, dentro das suas possibilidades, para que as candidaturas femininas colocassem em prática suas campanhas eleitorais e, mesmo que tivesse ocorrido a falta de apoio financeiro às campanhas, ainda que pudesse denotar hipótese de descumprimento das medidas de apoio a candidaturas femininas, isso não pode ser objeto da AIME. Ressalto que, para a caracterização da fraude em comento, data vênia, é mister que se comprove a má-fé ou o prévio ajuste de vontades entre os envolvidos no propósito de burlar a exigência legal, uma vez que é admissível a desistência, tácita ou expressa, de participar do pleito por motivos íntimos e pessoais. Por fim, é preciso frisar que as candidatas alcançaram o seguinte quantitativo de votos: Assima Feio de Avelar (33 votos), Maria da Conceição Borges (26 votos), Mariana Ricarla Cunha (14 votos) e Fabrícia Jorgette Lira Ribeiro (12 votos). Vê-se, portanto, totalmente desarrazoada a alegação de tratar-se de candidatura fictícias.
Os recorrentes alegaram ainda que haveria fraude relacionada à candidata Rita de Cássia Serrão Moraes. Vejamos: Conforme o retrospecto dos fatos, somente após o indeferimento do RRC da candidata Andréia dos Santos Pinheiro foi protocolado o pedido de registro de candidatura de Rita de Cássia Serrão Moraes (ID 20961984), em substituição à referida candidata. No dia 8 de novembro de 2020 o RRC de Rita de Cássia Serrão Moraes foi indeferido em razão da não apresentação documentos essenciais, tais como comprovação de escolaridade e certidões da Justiça Federal 2º grau (ID 20961984). Nesse contexto, a candidatura de Rita de Cássia Serrão Moraes (pedido de substituição) foi requerida posteriormente às demais, ou seja, quando o DRAP do partido foi deferido pelo juízo competente a candidata não fazia parte da relação de candidatos. O mero indeferimento da candidatura de Rita de Cássia Serrão Moraes seria insuficiente para caracterização da fraude. Ocorre que após ser citada para se manifestar na presente ação, ela veio aos autos (contestação ID 20962187) e afirmou que somente teve conhecimento de sua candidatura ao cargo de vereador pelo PROS no município de Belém-PA quando recebeu o mandado de citação e que nunca foi filiada a nenhum partido político. Alegou, inclusive, que o PROS ‘colocou o nome da Requerida no sistema de filiação da Justiça Eleitoral (Filiaweb), não foi com autorização da mesma, visto que a Requerida não é filiada ao partido, nunca assinou qualquer documento de filiação’ (sic). Afirmou, também, que ao tomar ciência que o partido usou o seu nome indevidamente resolveu comparecer à delegacia de Polícia Civil e registrar um boletim de ocorrência relatando os fatos ocorridos (ID 20962188), conforme print abaixo: (…) Em manifestação, ID 20962250, os autores, ora recorrentes requereram várias diligências, entre elas a juntada da ficha de filiação (ID 20962266). A juntada foi deferida foi deferida (ID 20962253). Diante da gravidade dos fatos narrados, o juízo determinou ao Diretório Municipal do PROS a apresentação dos documentos relativos ao registro de candidatura de Rita de Cássia Serrão Moraes, bem como, cópia da Ata da Convenção. Entretanto, a juíza a quo postergou a análise do pedido de realização de perícia grafotécnica. O PROS – Diretório Municipal juntou os documentos solicitados, além da cópia da ficha de filiação assinada juntamente com a certidão de filiação junto ao TSE, no qual consta como data da filiação o dia 4 de abril de 2020. Na petição de ID 20962266, os recorrentes reiteram o pedido de ‘perícia grafotécnica na assinatura constante na ficha de filiação partidária devendo o PROS UNIDADE BELÉM ser intimado a apresentar à Polícia Federal a ficha de filiação, em original, e a demandada RITA DE CÁSSIA MORAES intimada para colher padrão gráfico perante a autoridade técnica’ (sic). Na decisão de ID 20962291, o pedido de realização de perícia grafotécnica no documento de ID 97214326 foi indeferido, pois, segundo a conclusão da magistrada, ‘tal questão é alheia aos limites objetivos da presente demanda, qual seja, suposta violação às cotas de gênero previstas no art. 10, § 3º, da Lei nº 9.504/97.
Para tal análise, as provas já produzidas nos autos são adequadas’ (sic). A Corte considerou acertado o entendimento da magistrada nesse ponto. Desse modo, a apreciação do caso deve ser feita com base nos demais elementos de prova. Em audiência realizada no dia 28 de agosto de 2021 foi colhido o depoimento pessoal da suposta candidata (Rita de Cássia Serrão Moraes), que reafirmou suas alegações (ID 20962240). Transcrevo o depoimento: RITA DE CÁSSIA SERRÃO MORAES, devidamente qualificada nos autos, respondeu que nunca foi candidata; que tinha uma amiga que seria candidata e não quis; que foi feito convite para ser candidata pelo Fábio, mas que nunca quis; que não aceitou ser candidata, que não assinou nenhum documento; que a foto que está no registro é dela, mas que não autorizou sua utilização; que a foto foi batida na sua residência; que o Sidney foi até a sua casa, mas que disse que não queria ser candidata; que mesmo assim o Sidney tirou uma foto sua e utilizou indevidamente; que, quando soube que estavam usando seu nome e foto na campanha, fez um boletim de ocorrência na Polícia Federal; que procurou o TRE, porque nunca foi candidata; que não assinou documento nenhum; que não conhece ninguém do partido, apenas o Sidney, presidente do PROS; que foi ele quem a procurou. Perguntada pelo Dr. José Roberto, respondeu que não abriu conta bancaria; que não recebeu recurso do partido; que foi convidada pelo Sidney; que procurou a Dra. Anne Veloso para conversar sobre o registro que não autorizou; que não tem conhecimento nem das pessoas, nem do PROS, nem dos candidatos; que não reconhece a foto do registro de candidatura e do santinho. Perguntada pelo Dra. Anne, respondeu que nunca se filiou ao PROS; que não sabe nem onde é o partido. Perguntada pela Dra. Victoria, respondeu que não tem nenhum relação com o Sidney; que uma amiga deu o telefone dela a ele; que sempre disse que não tinha interesse em ser candidata; que o Sidney a procurou várias vezes no seu trabalho; que ele insistiu por conversar com ela por várias vezes; que por educação o recebeu em sua casa para dizer pessoalmente que não queria ser candidata; que não tinha interesse em participar da campanha; que não imaginava que teria problema, porque não tinha assinado nenhum documento; que só soube que estava envolvida posteriormente; que a foto que contava no site foi tirada sem sua autorização; que lembra bem desse dia.
Perguntada pelo Dr. Inocêncio, respondeu que recursou o convite para ser candidata; que alguns convites foram feitos pelo presidente do partido via whatsapp, mas que não tem mais essas conversas; que não participou da convenção do partido; que reconhece a foto no site como aquele que foi tirada em sua residência sem autorização; que não reconhece a foto do registro de candidaturas (RRC); que não assinou o RRC; que somente soube que era candidata quando foi procurada por oficial de justiça; que antes disso não sabia de nada. Passada a palavra à Representante do Ministério Público, respondeu que desconhece quem passou os seus dados para o registro de candidatura; que usaram de má-fé; que nunca repassou dado algum. Mais que demonstrar descompromisso com o pleito, a confissão da candidata deixa evidente a falta consentimento da mesma em participar da disputa eleitoral, ou seja, verifica-se que não houve ao menos uma vontade inicial da candidata de concorrer às eleições. Somado a isso, constato que a candidata não obteve nenhum voto, não realizou ato de campanha algum, sequer prestou contas de campanha (ID 20962309). As circunstâncias fáticas verificadas nos autos, portanto, preenchem os requisitos objetivos para evidenciar que a candidatura de Rita de Cássia Serrão Moraes foi fictícia. PRECEDENTE RECURSO ELEITORAL EM AIME Nº 0600001-63.2021.6.14.0013 DE RELATORIA DA JUÍZA FEDERAL CARINA CÁTIA BASTOS DE SENNA Apesar de reconhecer que a candidatura de Rita de Cássia Serrão Moraes foi fictícia, é preciso enfrentar recente julgado desta e. Corte (processo 0600001-63.2021.6.14.0013 de relatoria da Juíza Federal Carina Cátia Bastos de Senna) para se aferir eventual atendimento da cota de gênero caso a candidatura reconhecidamente ficta seja excluída da base de cálculo. Segue abaixo trechos do julgado: Em que pese a presença objetiva dos elementos caracterizadores das candidaturas fictícias, não há o elemento subjetivo da fraude, consistente no registro da candidatura feminina tão somente para burlar a legislação eleitoral. Não há, portanto, registro de candidatura feminina com o fim exclusivo de permitir mais candidaturas masculinas, uma vez que se o partido não tivesse registrado ANNA SHYRLEY, ainda assim poderia registrar as mesmas 11 (onze) candidaturas masculinas que registrou. Isto porque, conforme mencionado acima, o PL de Bragança registrou 17 (dezessete) candidaturas para o cargo de vereador, dentre as quais 11 (onze) eram masculinas e 6 (seis) eram femininas. Assim, o percentual de candidaturas femininas registradas foi de 35,29%. Ou seja, o PL concorreu com uma candidatura feminina a mais do que o mínimo exigido pela lei eleitoral. Por conseguinte, ainda que o PL não registrasse a candidatura de ANNA SHYRLEY e lançasse somente 5 (cinco) candidaturas femininas, a cota de gênero seria respeitada, pois o percentual de candidaturas femininas seria de 31,25%. Ficou firmado no precedente que ‘se o partido lança candidaturas femininas acima do mínimo legal, e a alegação de candidatura fictícia recai sobre quantitativo que, após subtraído, continuará respeitando o mandamento do art. 10, §3º, não há que se falar em fraude, pois não se identifica o dolo de registrar candidatura apenas para permitir que o partido participe daquele pleito’ (sic). Para aferição do cumprimento da norma a candidatura fictícia deve ser deduzida tanto do dividendo quanto do divisor. Para melhor elucidar o quadro fático, o cálculo dos percentuais apresenta-se da seguinte forma: 15 candidaturas femininas 32 candidaturas masculinas Total de candidaturas: 47 Percentual de cota de gênero: candidaturas femininas/total de candidaturas – 15/47×100 = 31,91% No segundo cálculo demonstrado abaixo, a candidatura feminina fraudulenta é excluída da contagem e mesmo assim a cota é cumprida. 14 candidaturas femininas (considerando que uma é fraudulenta 32 candidaturas masculinas Total de candidaturas: 46 (exclui-se do total a candidatura supostamente fictícia) Percentual de cota de gênero: candidaturas femininas/total de candidaturas – 14/46×100 = 30,43% .
Desse modo, ainda que a candidatura de Rita de Cássia Serrão Moraes seja artificial, não ficou evidenciada a finalidade específica de fraudar a cota de gênero, pois caso a mencionada candidatura não tivesse sido apresentada a cota seria cumprida. Desse modo, deve prevalecer o princípio do in dubio pro sufrágio, pois tal situação não atingiu o cumprimento da cota nem comprometeu a legitimidade da eleição. Logo, não seria razoável impor, como consequência a cassação de mandatos. Ante o exposto, NEGO PROVIMENTO AO RECURSO interposto pelos para manter incólume a sentença que julgou improcedente o pedido da AIME.” 7. Extrai-se do acórdão que o PROS atendeu ao percentual previsto no § 3º do art. 10 da Lei das Eleições, “tanto no momento da postulação quanto após o exame dos requerimentos de registros individuais” (ID 158561687), o que resultou no deferimento do respectivo Demonstrativo de Regularidade de Atos Partidários – DRAP (sentença transitada em julgado em 26.10.2022). O Tribunal de origem assentou que, “ainda que se considerasse fraudulentas as candidaturas femininas indeferidas sem recurso (…) o partido não teria descumprido a cota de gênero, pois restariam 30 (trinta) candidaturas masculinas e 13 (treze) femininas, número superior ao percentual exigido pela norma” e, mesmo “que a candidatura de Rita de Cássia Serrão Moraes seja artificial, não ficou evidenciada a finalidade específica de fraudar a cota de gênero, pois caso a mencionada candidatura não tivesse sido apresentada a cota seria cumprida” (ID 158561687). Quanto a Elinora Corrêa, que teve seu registro indeferido e disputou o pleito como candidata sub judice, o acórdão recorrido explicitou que (ID 158561687): “Não cabe aferir o percentual da cota relativamente às candidaturas deferidas, pois o percentual exigido pela norma deve ser atingido na postulação e nas substituições. No momento da postulação, conforme já evidenciado, foi cumprido o percentual da cota de gênero. Da mesma forma, no momento subsequente, o partido também manteve o cumprimento do percentual exigido na norma, pois existe o fato de que a candidatura de Elinora Corrêa não pode ser desconsiderada no cômputo do percentual, ainda que tenha sido indeferida. Em verdade, a candidata Elinora Correa disputou o pleito eleitoral com registro de candidatura sub judice, conforme pode ser consultado no portal Divulgacand (…). O PROS optou por não substituir a sua candidatura, o que é um direito do partido, nos temos do art. 13, da Lei das Eleições. Por conseguinte, sua candidatura é legitima e não pode ser desconsiderada para o cômputo do percentual de gênero estatuído pelo art. 10, § 3º da Lei nº 9.504/97. Incabível considerar sua candidatura sabidamente inapta, pelo contrário, a norma eleitoral permite (art. 51, da TSE nº 23.609/2019) que os candidatos indeferidos com recurso permaneçam realizando campanha, inclusive a candidata teve votação expressiva de 1.681 (um mil seiscentos e oitenta e um) votos e apresentou sua prestação de contas de campanha com movimentação financeira.”.
Diferente do que decidido no acórdão recorrido, a compreensão firmada neste Tribunal Superior é no sentido de que “os percentuais de gênero previstos no art. 10, § 3º, da Lei nº 9.504/97 devem ser observados tanto no momento do registro da candidatura quanto em eventual preenchimento de vagas remanescentes ou na substituição de candidatos” (EDcl-REspE n. 551-88/DF, Relator o Ministro Luiz Fux, PSESS 23.10.2014). 9. Quanto à alegada fraude por lançamento de candidaturas supostamente fictícias, a decisão destoa da atual jurisprudência do Tribunal Superior Eleitoral, firmada no julgamento do AgR-AREspE n. 0600651-94/BA, redator para o acórdão o Ministro Alexandre de Moraes, no qual se assentou que a votação inexpressiva e a não demonstração de atos de campanha são elementos suficientes para caracterizar a fraude à cota de gênero. Esta a ementa desse julgado: “ELEIÇÕES 2020. AGRAVO REGIMENTAL. RECURSO ESPECIAL. AÇÃO DE INVESTIGAÇÃO JUDICIAL ELEITORAL. FRAUDE À COTA DE GÊNERO. ART. 10, § 3º, DA LEI 9.504/97. CONFIGURADO. PROVIMENTO. 1. A fraude à cota de gênero de candidaturas femininas representa afronta aos princípios da igualdade, da cidadania e do pluralismo político, na medida em que a ratio do art. 10, § 3º, da Lei 9.504/1997 é ampliar a participação das mulheres no processo político-eleitoral. 2. Ação de Investigação Eleitoral julgada improcedente na origem, consubstanciada na fraude à cota de gênero, considerando a juntada extemporânea de documentos pelas candidatas revéis, o que é vedado pela norma processual vigente e importa em efetivo prejuízo diante da reforma da sentença então condenatória. 3. Existência de elementos suficientemente seguros para a condenação dos Investigados, diante da comprovação do ilícito eleitoral: (i) as 4 (quatro) candidatas não obtiveram nenhum voto; (ii) as contas apresentadas são absolutamente idênticas, em que registrada uma única doação estimável realizada pela mesma pessoa, no valor de R$ 582,00 (quinhentos e oitenta e dois reais); (iii) não houve atos efetivos de campanha; (iv) não tiveram nenhuma despesa; (v) não apresentaram extratos bancários ou notas fiscais; e (vi) o Partido das Investigadas não investiu recursos em suas campanhas. 4. Caracterizada a fraude e, por conseguinte, comprometida a disputa, observam-se as seguintes consequências: (i) a cassação dos candidatos vinculados ao DRAP, independentemente de prova da sua participação, ciência ou anuência; (ii) a inelegibilidade àqueles que efetivamente praticaram ou anuíram com a conduta; e (iii) a nulidade dos votos obtidos pela Coligação, com a recontagem do cálculo dos quocientes eleitoral e partidários, nos termos do art. 222 do Código Eleitoral. Cumprimento imediato, independente de publicação. 5. Recurso Especial provido.” (AgR-AREspE n. 0600651-94/BA, Relator designado o Ministro Alexandre de Moraes, DJe 30.6.2022) No mesmo sentido, por exemplo: “ELEIÇÕES 2020. AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. AÇÃO DE INVESTIGAÇÃO JUDICIAL ELEITORAL (AIJE). FRAUDE À COTA DE GÊNERO. PROVAS ROBUSTAS. COMPROVAÇÃO. PROVIMENTO. 1.
A fraude à cota de gênero de candidaturas femininas representa afronta aos princípios da igualdade, da cidadania e do pluralismo político, na medida em que a ratio do art. 10, § 3º, da Lei 9.504/1997 é ampliar a participação das mulheres no processo político-eleitoral. 2. Pela moldura fática contida no Acórdão Regional, delineada a partir de conteúdo probatório contundente (documentos, oitiva de testemunhas), é incontroverso que: (i) as candidatas não obtiveram nenhum voto; (ii) não houve atos efetivos de campanha; (iii) a candidata Ivete apresentou despesas ínfimas de campanha e a candidata Fabrícia apresentou prestação de contas zerada; (iv) a candidata Ivete realizou campanha para terceiros. 3. Caracterizada a fraude, e, por conseguinte, comprometida a disputa, a consequência jurídica é: (i) a cassação dos candidatos vinculados ao Demonstrativo de Regularidade de Atos Partidários (Drap), independentemente de prova da participação, ciência ou anuência deles; (ii) a inelegibilidade daqueles que efetivamente praticaram ou anuíram com a conduta; (iii) a nulidade dos votos obtidos pela Coligação, com a recontagem do cálculo dos quocientes eleitoral e partidários, nos termos do art. 222 do Código Eleitoral. 4. Recurso Especial provido.” (AREspE n. 0600474-82/BA, Relator o Ministro Alexandre de Moraes, DJe 12.9.2022) “ELEIÇÕES 2020. AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. AIJE. PREFEITO. ART. 10, § 3º, DA LEI Nº 9.504/1997. VEREADOR. FRAUDE NA COTA DE GÊNERO. AÇÃO JULGADA IMPROCEDENTE NAS INSTÂNCIAS ORDINÁRIAS.CONFIGURAÇÃO DA FRAUDE NA COTA DE GÊNERO. DEMAIS ELEMENTOS EVIDENCIADOS DAS PREMISSAS FÁTICAS DO ACÓRDÃO REGIONAL. CONFIGURAÇÃO DO ILÍCITO. PROCEDÊNCIA. RECURSO ESPECIAL PROVIDO. 1. Na origem, o TRE/CE manteve a decisão do Juízo de origem que julgou improcedente AIJE por abuso do poder político mediante fraude na cota de gênero, em razão da ausência de provas robustas que a comprovem.
2. Contudo, o quadro fático delineado no acórdão regional demonstra que a candidata: a) obteve votação zerada; b) realizou campanha para outro candidato; c) apresentou prestação de contas com valor ínfimo patrocinado por outro candidato; d) a prova testemunhal não foi capaz de assegurar a veracidade de sua candidatura, pois algumas testemunhas afirmaram que desconhecia a candidata, enquanto outras afirmaram o contrário.
3. As circunstâncias fáticas descritas nos autos apontam para a ocorrência de fraude à cota de gênero, tendo em vista que, na linha da jurisprudência deste Tribunal Superior, fica configurado o referido ilícito quando ‘evidenciadas a obtenção de votação zerada pelas candidatas, a prestação de contas sem movimentação financeira, a ausência de atos efetivos de campanha e a prática de campanha eleitoral, por uma delas, em benefício de outro candidato do mesmo partido, circunstâncias corroboradas pela prova oral produzida, é seguro concluir pela comprovação da fraude à cota de gênero, nos termos do art. 14, § 10, da CF’. (AREspE nº 0600549-92/BA, rel. Min. Carlos Horbach, julgado em 17.6.2022, DJe de 29.6.2022)
4. Recurso especial provido.” (AREspE n. 0600880-91/CE, Relator o Ministro Mauro Campbell Marques, DJe 9.9.2022) 10. Do quadro fático delineado e constante do acórdão recorrido podem-se extrair os seguintes elementos: a) a candidatura de Aline Michelly do Socorro Valcacio Marques foi indeferida por ausência de filiação partidária e de juntada das certidões de 1º e 2º graus; b) a candidatura de Elinora Corrêa foi indeferida por condenação criminal transitada em julgado; c) a candidatura de Andreia dos Santos Pinheiro foi indeferida por falta de escolha em convenção e de apresentação de documentos essenciais; d) as candidatas Aline e Andreia não apresentaram recurso da sentença de indeferimento dos pedidos de registro; e) a candidatura de Rita de Cássia foi considerada fictícia; f) baixo desempenho das candidatas nas urnas (Assima do Socorro Feio de Avelar obteve 33 votos, Maria da Conceição Borges obteve 26 votos e Mariana Ricarla Cunha, 14 votos); g) as três últimas candidatas apresentaram contas zeradas, sem movimentação de recursos; h) ausência de recebimento de recursos do Fundo Especial de Financiamento de Campanha – FEFC. É de se ressaltar que, embora o TRE/PA tenha anotado a participação das candidatas em atos de campanha, é incontroversa a existência de óbices relevantes (indeferimento do registro de candidatura por ausência de filiação partidária, de juntada de certidões e de documentos essenciais, por condenação criminal transitada em julgado e por falta de escolha em convenção) ao deferimento das candidaturas, os quais eram de conhecimento das candidatas e do partido.
O Tribunal Superior Eleitoral, em recente acórdão proferido em AIJE, referente às eleições de 2020, reconheceu que a apresentação de candidatura feminina sem aptidão ou viabilidade jurídica induz à convicção da ocorrência de fraude. Assim, por exemplo: “ELEIÇÕES 2020. RECURSO ESPECIAL ELEITORAL. AÇÃO DE INVESTIGAÇÃO JUDICIAL ELEITORAL. DOCUMENTO NOVO. PRECLUSÃO. DESENTRANHAMENTO. CERCEAMENTO DE DEFESA. NÃO CARACTERIZAÇÃO. FRAUDE À COTA DE GÊNERO. NÃO SUBSTITUIÇÃO DAS CANDIDATAS. ÓBICES À ELEGIBILIDADE FLAGRANTES OU PRESUMÍVEIS. CANDIDATURAS FICTAS. PROVIMENTO PARCIAL. SÍNTESE DO CASO 1. O Tribunal Regional Eleitoral do Maranhão, por maioria de votos, manteve a sentença que julgou improcedente o pedido formulado em ação de investigação judicial eleitoral (AIJE), que buscava a anulação do Demonstrativo de Regularidade de Atos Partidários do Republicanos de Timon/MA, relativo ao pleito de 2020, em razão da existência de supostas candidaturas fictícias. 2. Sobreveio a interposição de recursos especiais pelo candidato investigante e pelo Ministério Público Eleitoral, postulando a reforma do acórdão recorrido, para julgar procedente a ação de investigação judicial eleitoral, declarar a inelegibilidade dos responsáveis pela fraude e aplicar as sanções decorrentes do descumprimento do art. 10, § 3º, da Lei 9.504/97. ANÁLISE DOS RECURSOS ESPECIAIS (…) 5. A Corte Regional, à míngua de provas robustas acerca da fraude ao percentual mínimo estabelecido, conforme previsão do art. 10, § 3º, Lei 9.504/97, concluiu pela improcedência da ação, acrescentando que, para que fossem considerados desatendidos os percentuais mínimos exigidos, seria necessário comprovar que as duas candidaturas foram fraudulentamente registradas, uma vez que o partido teve o registro de 26 candidatos, sendo 19 do gênero masculino e 7 do gênero feminino. 6. A evolução normativa, doutrinária e jurisprudencial sobre os dispositivos que impactam a promoção de candidaturas do gênero sub-representado, no caso do gênero feminino, aponta para a necessidade do lançamento de candidatas efetivas, com condições mínimas de partida, de participação na campanha eleitoral e de obtenção de resultados. 7. De acordo com o § 3º do art. 10 da Lei 9.504/97, do número de candidatos registrados para a Câmara dos Deputados, para a Câmara Legislativa, para as Assembleias Legislativas e para as Câmaras Municipais, ‘cada partido ou coligação preencherá o mínimo de 30% (trinta por cento) e o máximo de 70% (setenta por cento) para candidaturas de cada sexo’, preceito voltado à representação parlamentar mais equânime entre os gêneros masculino e feminino.
O estabelecimento de cotas de gênero não vincula partidos a proporções estanques de candidaturas lançadas, senão aos parâmetros legais mínimo e máximo. Nada impede, e a necessária concretização dos vetores da igualdade e da representatividade eleitoral recomenda, que as agremiações lancem candidaturas do gênero sub–representado em patamar superior ao piso legal. 9. Mesmo quando consideradas as particularidades de cada colégio eleitoral, as agremiações partidárias, como pessoas jurídicas essenciais à realização dos valores democráticos, devem se comprometer ativamente com a concretização dos direitos fundamentais – são dotados de eficácia transversal – mediante o lançamento de candidaturas femininas juridicamente viáveis, minimamente financiadas e com pretensão efetiva de disputa. 10. Sobrevindo questionamento à candidatura do gênero sub-representado, o partido deve, se ainda viável a substituição nos autos do DRAP, fazer as adequações necessárias à proporção mínima de candidaturas masculinas e femininas. Não o fazendo a tempo e modo, as candidaturas femininas juridicamente inviáveis, ou com razoável dúvida sobre a sua viabilidade, podem ser consideradas fictas para fins de apuração de alegada fraude ao disposto no art. 10, § 3º, da Lei 9.504/97. 11. Do exame das premissas fáticas registradas pela instância ordinária, extrai-se o seguinte: a) o registro da candidatura de Eloide Oliveira da Silva foi indeferido por ausência de comprovante de escolaridade, na véspera do prazo fatal para a substituição dos candidatos; b) a candidatura de Maria Amelia Soares dos Santos Borges foi indeferida por ausência de quitação eleitoral, mesmo tendo a candidata ajuizado, antes do período eleitoral, pedido de regularização com tutela de urgência, com a finalidade de fazer cessar os efeitos da inadimplência no dever de prestar contas eleitorais da campanha de 2016; c) embora não tenha havido intimação do partido para a adequação do DRAP, é incontroversa a respectiva ciência sobre a situação jurídica das candidatas, mais especificamente a inexistência de comprovante de escolaridade de Eloide Oliveira da Silva e a não quitação eleitoral de Maria Amelia Soares dos Santos Borges, decorrente da omissão do dever de prestar contas no pleito anterior; d) a despeito do indeferimento do registro, não houve notícia de que as candidatas buscaram medidas jurídicas para reverter o resultado provisório do processo de registro de candidatura; e) as candidatas somente participaram de atos de campanha até o indeferimento do registro de candidatura, muito embora o art. 16-A da Lei 9.504/97 possibilitasse a continuidade da campanha com a mera interposição de recurso da decisão contrária a seus interesses. 12. A partir do parâmetro hermenêutico de que o lançamento de candidaturas femininas deve ser efetivo, minimamente viável no plano jurídico, a insistência do partido em manter, como integrantes de sua cota mínima, candidatas com óbices relevantes ao deferimento dos respectivos registros, associada à inação das candidatas para a defesa de suas candidaturas e para a consequente continuidade das campanhas, evidencia a fraude ao art. 10, § 3º, da Lei 9.504/97, mediante o preenchimento ficto da cota de gênero por quem não tinha a pretensão nem as condições jurídicas para participar do pleito. 13. Se o partido agravado decidiu manter candidaturas femininas juridicamente inviáveis, ou sobre as quais pairava razoável dúvida, fê-lo por conta e risco e sob pena de, uma vez desatendido o mínimo legal, ver reconhecida a fraude aos comandos normativos alusivos à promoção da participação da mulher na política e na representação de cargos parlamentares.
Reconhecida a fraude, são cabíveis, em tese, os seguintes consectários: a) a cassação dos candidatos vinculados ao Demonstrativo de Regularidade de Atos Partidários (DRAP); b) a declaração de inelegibilidade dos autores e dos partícipes da fraude; c) a nulidade dos votos obtidos pelas chapas proporcionais, com o recálculo dos votos dos quocientes eleitoral e partidário, como estabelece o art. 222 do Código Eleitoral; e d) o cumprimento imediato da decisão, independentemente de publicação do acórdão. Não se pode prover os recursos no tocante à inelegibilidade, pois os supostos responsáveis pela fraude não integraram a lide nem exerceram o contraditório e a ampla defesa. 15. Embora não seja possível a declaração de inelegibilidade no caso, é cabível a remessa de cópias ao Ministério Público Eleitoral, nos termos do art. 40 do Código de Processo Penal, para apurar eventual caracterização do delito descrito no art. 350 do Código Eleitoral, inclusive em relação aos dirigentes partidários e a outros agentes responsáveis pela fraude eleitoral. CONCLUSÃO Recursos especiais eleitorais aos quais se dá parcial provimento, para julgar parcialmente procedente o pedido formulado na ação de investigação judicial eleitoral (AIJE), determinando: i) a cassação dos candidatos vinculados ao Demonstrativo de Regularidade de Atos Partidários (DRAP) do Diretório Municipal do Republicanos de Timon/MA; ii) a nulidade dos votos obtidos pelas chapas proporcionais, com o recálculo dos votos dos quocientes eleitoral e partidário, como estabelece o art. 222 do Código Eleitoral; iii) o cumprimento imediato da decisão, independentemente de publicação do acórdão; iv) o envio de cópias dos autos ao Ministério Público Eleitoral, nos termos do art. 40 do Código de Processo Penal.” (REspEl n. 0600965-83/MA, Relator o Ministro Floriano de Azevedo Marques, DJe 15.9.2023)
Nesse contexto, tem razão a Procuradoria-Geral Eleitoral quando sustenta no parecer (ID 159524557, p. 10-11): “A apresentação de candidatura sabidamente inviável, apenas para atender formalmente ao requisito legal, é suficiente para caracterizar a afronta ao § 3º do art. 10 da Lei n. 9.504/97. O partido político, pela posição de centralidade que ocupa no processo eleitoral e considerando a sua condição de condutor exclusivo das candidaturas, não pode se eximir da responsabilidade de avaliar previamente a viabilidade jurídica mínima das candidaturas que pretende lançar à escolha do eleitorado, sendo certo que não se lhe pode atribuir a condição de singelo despachante de candidaturas.” 12. A submissão a registro de candidaturas sabidamente inviáveis e a inércia em promover a substituição demonstra o desinteresse da agremiação e dos demais agentes envolvidos na efetivação das candidaturas femininas inicialmente registradas. Revela a tentativa de burlar o controle da Justiça Eleitoral quando ocorrido depois do deferimento do DRAP, momento processual no qual não se poderia reabrir a análise do cumprimento dos percentuais previstos no § 3º do art. 10 da Lei n. 9.504/1997. Dispõe-se na Lei n. 9.504/1997: “Art. 13. É facultado ao partido ou coligação substituir candidato que for considerado inelegível, renunciar ou falecer após o termo final do prazo do registro ou, ainda, tiver seu registro indeferido ou cancelado. (…) § 3º Tanto nas eleições majoritárias como nas proporcionais, a substituição só se efetivará se o novo pedido for apresentado até 20 (vinte) dias antes do pleito, exceto em caso de falecimento de candidato, quando a substituição poderá ser efetivada após esse prazo.” Como assim posto, a substituição de candidatos proporcionais considerados inelegíveis é faculdade dos partidos políticos e pode ocorrer até 20 dias antes da votação em primeiro turno. Entretanto, esse dispositivo deve ser interpretado de forma integrada com as demais normais constitucionais e legais que regem o registro de candidaturas. Não se há cogitar de uma interpretação que garanta estejam os partidos autorizados a descumprir, ainda que sub-repticiamente, o previsto no §3º do art. 10 da mesma lei, nem se pode admitir que o prazo final para substituição seja instrumentalizado para burlar a exigência de proporção mínima entre candidaturas masculinas e femininas.
Tanto seria uma porta escancarada para a fraude envolta em falsa capa de legalidade, o que não se admite no Estado de direito. 13. Não se há cogitar de limitar o poder de a Justiça Eleitoral fiscalizar o cumprimento do § 3º do art. 10 da Lei das Eleições, circunscrevendo-o ao registro do DRAP, como única via processual adequada, sob pena de se institucionalizar a possibilidade de burla daquela exigência legal. Com o trânsito em julgado da decisão de deferimento do DRAP no processo próprio, cabe ao partido assegurar a manutenção dos percentuais mínimos de candidaturas por gênero legalmente exigidos, substituindo os inelegíveis por outras candidatas viáveis. O desinteresse em manter a proporção exigida entre as candidaturas caracteriza fraude à cota de gênero, não se admitindo que seja encoberta pela tese da inviabilidade da substituição, pelo esgotamento ou iminência do término do prazo para o fazer. 14. Sobre a comprovação de fraude no preenchimento da cota de gênero, o TRE/PA entendeu inexistir, nos autos, prova “apta a demonstrar o prévio ajuste de vontades ou o conluio entre as candidatas apontadas como fictícia e o partido em questão” (ID 158561687). A jurisprudência do Tribunal Superior Eleitoral fixou-se no sentido de que “o elemento subjetivo consistente no conluio entre as candidatas laranjas e o partido político não integra os requisitos essenciais à configuração da fraude na cota de gênero”, pois a cassação dos diplomas dos candidatos vinculados ao DRAP objeto da fraude independe de prova da sua participação ou anuência (AgR-REspEl n. 0600311-66/MA, Relator o Ministro Raul Araújo, DJe 12.5.2023). Assim, tem-se no caso indícios satisfatórios para constatação de descumprimento da norma prevista no § 3º do art. 10 da Lei n. 9.504/1997: a) ausência de condições de elegibilidade e inelegibilidade das candidatas Aline Michelly do Socorro Valcacio Marques, Elinora Corrêa e Andreia dos Santos Pinheiro; b) ausência de interposição de recursos contra as decisões de indeferimento dos pedidos de registros de candidatura; c) as candidatas Assima do Socorro Feio de Avelar, Maria da Conceição Borges e Mariana Ricarla Cunha não movimentaram recursos, apresentaram contas zeradas e não receberam recursos do FEFC; d) reconhecimento de candidatura fictícia da candidata Rita de Cássia Serrão Moraes. 15. Diferente do que decidido no acórdão recorrido e com as balizas estabelecidas pela atual jurisprudência deste Tribunal Superior, tem-se acervo probatório suficiente para a caracterização do ilícito de fraude à cota de gênero. O reenquadramento jurídico do contexto fático-probatório delineado na decisão recorrida não se confunde com o reexame do acervo juntado aos autos e, por isso, não tem óbice na Súmula n. 24 deste Tribunal Superior. Assim, por exemplo: “ELEIÇÕES 2020. AGRAVO. RECURSO ESPECIAL. AÇÕES DE IMPUGNAÇÃO DE MANDATO ELETIVO (AIME). AÇÃO DE INVESTIGAÇÃO JUDICIAL ELEITORAL (AIJE). VEREADOR. ALEGADA FRAUDE À COTA DE GÊNERO. ART. 10, § 3º, DA LEI Nº 9.504/97. REVALORAÇÃO DA PROVA. POSSIBILIDADE. CIRCUNSTÂNCIAS INCONTROVERSAS QUE DENOTAM A CONFIGURAÇÃO DO ILÍCITO. PROVIMENTO.
À luz do julgamento do AgR-REspEl nº 0600651-94/BA, Rel. designado Min. Alexandre de Moraes, DJe de 30.6.2022, a obtenção de votação zerada ou pífia das candidatas, a prestação de contas com idêntica movimentação financeira e a ausência de atos efetivos de campanha são suficientes para evidenciar o propósito de burlar o cumprimento da norma que estabelece a cota de gênero quando ausentes elementos que indiquem se tratar de desistência tácita da competição. 2. As circunstâncias fáticas delineadas – votação zerada aliada à ausência de gastos de campanha – são indícios bastantes para a constatação da fraude à cota de gênero, nos termos do art. 14, § 10, da Constituição Federal. 3. Agravos e recursos especiais providos para restabelecer a sentença de procedência dos pedidos formulados nas AIME e na AIJE, a fim de decretar a nulidade dos votos recebidos pelo Partido Podemos nas eleições proporcionais de 2020 do Município de Barbalha/CE, cassar o respectivo DRAP e, por consequência, o diploma dos candidatos a ele vinculados, com o recálculo dos quocientes eleitoral e partidário, bem como declarar a inelegibilidade da candidata Maria das Dores da Silva, nos termos do art. 22, XIV, da Lei Complementar nº 64/90, com a respectiva anotação no cadastro eleitoral, bem como determinar a execução imediata do aresto, independentemente de publicação.” (AREspE n. 0600425-10/CE, Relator o Ministro Carlos Horbach, DJe 12.4.2023) 16. No mesmo sentido foi a manifestação do Procurador-Geral Eleitoral (ID 159524557, p. 9-10): “Com efeito, o quadro fático-probatório definido pelo TRE/PA demonstra que, do universo de quinze candidaturas femininas apresentadas pela agremiação recorrida, quatro candidatas tiveram seus registros indeferidos: em razão de condenação criminal transitada em julgado; por falta de filiação partidária; por ausência de documentos essenciais (certidões negativas e comprovação de escolaridade); e por falta de escolha em convenção. Isso já demonstra, no mínimo, a ausência de seriedade no atendimento à cota de gênero. Não bastasse isso, conforme assenta o acórdão recorrido, o partido apresentou, em substituição, candidatura à revelia da indicada (caso de Rita).
Além das candidaturas inaptas, por vício já na origem, outras quatro candidatas obtiveram votação pífia – Assima obteve 33 votos, Maria da Conceição, 26 votos, Mariana, 14 votos, e Fabrícia, 12 votos – não movimentaram recursos financeiros e não praticaram atos significativos de campanha. Dessas oito candidaturas inicialmente questionadas, o recurso especial requer o reconhecimento da fraude em relação a quatro candidatas: Elinora, Assima, Maria da Conceição, e Mariana . No caso, a matéria suscitada no recurso e o quadro fático-probatório definido no acórdão recorrido demonstra efetivamente que o partido político, para atender à cota de gênero, inscreveu candidatura sabidamente inviável, e ainda apresentou candidatas que obtiveram votação pífia, não realizaram atos significativos de campanha e não movimentaram recursos financeiros. Ambas situações fáticas justificam o reconhecimento à fraude à cota de gênero.” 17.
Pelo exposto, voto no sentido de dar provimento ao agravo (§ 4º do art. 36 do Regimento Interno do Tribunal Superior Eleitoral) e ao recurso especial (§ 7º do art. 36 do Regimento Interno deste Tribunal Superior) para reformar o acórdão e julgar procedente a Ação de Impugnação de Mandato Eletivo. Como consequência: a) casso o mandato dos candidatos vinculados ao Demonstrativo de Regularidade de Atos Partidários do Diretório Municipal do Partido Republicano da Ordem Social de Belém/PA nas eleições de 2020; b) anulo a votação obtida pelo partido recorrido na eleição proporcional, com a retotalização dos quocientes eleitoral e partidário; c) determino o cumprimento imediato da decisão, independente de publicação do acórdão.
Carmem Lúcia
Ministra do Supremo Tribunal Federal
Comentários
Postar um comentário