A celeuma do lixo de Belém (o Lixão do Edmilson) já está na esfera federal. O desembargador federal Newton Ramos suspendeu a licitação da prefeitura de Belém para escolha da empresa responsável pelos serviços de limpeza urbana e manejo de resíduos sólidos. Estamos falando, caros leitores, de uma megalicitação de estratosférico valor (R$ 926.763.897,98 – novecentos e vinte e seis milhões, setecentos e sessenta e três mil, oitocentos e noventa e sete reais e noventa e oito centavos-) e de longa duração (30 anos). A decisão do desembargador foi enviada, com urgência, ao município de Belém, na última sexta-feira, 24.
Em sua decisão, o desembargador deu um “pito” no juiz federal substituto Henrique Jorge Dantas da Cruz (que apreciou o pedido liminar impetrado pelo reclamante), ponderando que o magistrado deveria indicar, com precisão, o que deve ser corrigido ou complementado com a emenda inicial.
O desembargador acatou a tese levantada, em Agravo de Instrumento, com pedido de antecipação dos efeitos da tutela recursal, interposto por Neomizio Lobo Nobre Júnior, contra decisão de um juiz que indeferiu tutela provisória de urgência, sob o fundamento, em síntese, de que não se vislumbra, em cognição sumária, plausibilidade jurídica apta a justificar a suspensão do procedimento licitatório.
“Aduziu a parte agravante que o Juízo a quo indeferiu a tutela antecipada por entender que a petição inicial precisa ser emendada, sem, contudo, indicar com precisão o que deve ser corrigido ou complementado. Sustentou que, embora a legislação exija apenas declaração formal de disponibilidade do bem imóvel para fins de implantação da Central de Tratamento de Resíduos – CTR e da Estação de Transferência de Resíduos – ETR, o edital de licitação impõe a aquisição da propriedade do bem a qualquer título.”
O recorrente alegou também que configura indevida limitação da concorrência exigir, com antecedência de 15 dias da abertura das propostas, a apresentação de parecer preliminar da administração licitante sobre as áreas indicadas, atestando a viabilidade da medida. Asseverou ainda que, para fins de qualificação econômico-financeira, a Administração não pode exigir dos licitantes, de forma cumulativa, capital social mínimo e patrimônio líquido mínimo.
“A falta de dotação específica e suficiente prevista na Lei Orçamentária Anual – LOA, para atender o objeto do contrato, configura situação de irregularidade e lesão ao patrimônio público.”
Sustentou o recorrente frisando, por fim, que a ausência de projeto básico que fundamente a licitação, dando meios para que os licitantes possam apresentar suas propostas, impossibilita o prosseguimento do certame.
Ao conceder a liminar contra a prefeitura de Belém, o desembargador entendeu que as razões expostas na decisão do juiz Henrique Dantas não são suficientemente precisas quanto ao que deve ser complementado ou corrigido, notadamente considerando que a eficiência aludida pelo magistrado consubstancia princípio que, em virtude de sua própria estrutura normativa, possui elevado grau de generalidade e abstração.
“Ademais, o pronunciamento carece de fundamentação adequada, uma vez que, para além de não apreciar diversos argumentos deduzidos pela parte agravante, opta por indagações retóricas insuficientes ao deslinde da controvérsia.”
Asseverou o desembargador federal.
“Desse modo, antecipo os efeitos da tutela recursal para suspender o referido procedimento licitatório até que o magistrado de origem: i) indique, com precisão, (art. 321 do CPC); ii) apresentada a emenda, analise novamente a tutela de urgência requerida, enfrentando, desta feita, todos os argumentos deduzidos no processo capazes de, em tese, infirmar a conclusão adotada, especialmente os indicados no parágrafo anterior.”
Finalizou Newton Ramos. Leia abaixo a decisão na íntegra:
AGRAVO DE INSTRUMENTO (202) 1043568-78.2023.4.01.0000 AGRAVANTE: NEOMIZIO LOBO NOBRE JUNIOR Advogados do(a) AGRAVANTE: MARIANA MILANESIO MONTEGGIA – DF66133-A, THAIS PEREIRA DE SOUSA – DF52412-A AGRAVADO: UNIÃO FEDERAL DECISÃO
Trata-se de agravo de instrumento, com pedido de antecipação dos efeitos da tutela recursal, interposto por NEOMIZIO LOBO NOBRE JUNIOR contra decisão que indeferiu tutela provisória de urgência, sob o fundamento, em síntese, de que não se vislumbra, em cognição sumária, plausibilidade jurídica apta a justificar a suspensão do procedimento licitatório. Aduz a parte agravante, em síntese, que o Juízo a quo indeferiu a tutela antecipada por entender que a petição inicial precisa ser emendada, sem, contudo, indicar com precisão o que deve ser corrigido ou complementado. Sustenta que, embora a legislação exija apenas declaração formal de disponibilidade do bem imóvel para fins de implantação da Central de Tratamento de Resíduos – CTR e da Estação de Transferência de Resíduos – ETR, o edital de licitação impõe a aquisição da propriedade do bem a qualquer título. Alega que configura indevida limitação da concorrência exigir, com antecedência de 15 dias da abertura das propostas, a apresentação de parecer preliminar da administração licitante sobre as áreas indicadas, atestando a viabilidade da medida. Assevera que, para fins de qualificação econômico-financeira, a Administração não pode exigir dos licitantes, de forma cumulativa, capital social · mínimo e patrimônio líquido mínimo. Afirma que a falta de dotação específica e suficiente prevista na Lei Orçamentária Anual – LOA, para atender o objeto do contrato, configura situação de irregularidade e lesão ao patrimônio público.
Sustenta, por fim, que a ausência de projeto básico que fundamente a licitação, dando meios para que os licitantes possam apresentar suas propostas, impossibilita o prosseguimento do certame. Postergada a apreciação da antecipação dos efeitos da tutela recursal, a União apresentou contrarrazões. Conclusos os autos. Decido. Insta consignar, de início, que a tutela de urgência poderá ser concedida quando presente elementos que evidenciem a probabilidade do direito e o perigo de dano ou risco ao resultado útil do processo (art. 300, caput, do CPC/2015). O art. 1.019, I, do Código de Processo Civil – CPC/2015, por sua vez, faculta ao relator atribuir efeito suspensivo ou conceder efeito ativo ao agravo de instrumento quando demonstrados, de plano, a plausibilidade da fundamentação expendida e o risco de lesão grave ou de difícil reparação. Na espécie, em juízo de cognição sumária, vislumbro a presença dos pressupostos legais necessários à pretendida antecipação dos efeitos da tutela recursal. Com efeito, dispõe o art. 321, caput, do CPC/2015 que o juiz, ao verificar que a petição inicial não preenche os requisitos previstos nos arts. 319 e 320 (https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2015-2018/2015/lei /l13105.htm#art319) ou que apresenta defeitos e irregularidades capazes de dificultar o julgamento de mérito, determinará que o autor, no prazo de 15 (quinze) dias, a emende ou a complete, indicando com precisão o que deve ser corrigido ou completado. Na espécie, o juízo a quo indeferiu a tutela provisória de urgência e determinou a emenda à inicial, indicando, para tanto, genericamente a finalidade de densificar a eficiência a que se refere o art. 8º do CPC/2015. Deixou, portanto, de apontar, precisamente, o que deve ser corrigido ou completado. Confira-se: […] Na lógica e dinâmica da dialética processual, o afirmar antecede ao provar.
Entre os ônus processuais, o primeiro e o de maior peso é o de afirmar, porque só demanda adequadamente quem fundamenta o pedido também de modo adequado. Na seara cível da Justiça Federal isso é ainda mais evidente, porque, em regra, uma petição inicial é uma manifestação jurídica contrária a um ato administrativo prejudicial aos interesses da parte autora. Portanto, a petição inicial deve expor com precisão, clareza e concisão as alegações de fato que geram a ilegitimidade jurídica do ato administrativo e, consequentemente, a procedência do pedido deduzido em juízo. Portanto, o primeiro passo do juiz é analisar se os fatos alegados pela parte autora geram em tese a ilegitimidade do ato administrativo. Se o resultado for positivo, o juiz dá o segundo passo: examina se os fatos estão concretamente provados. Pensar em sentido contrário (i) é reconhecer que, para litigar na Justiça Federal, basta demonstrar uma manifestação de descontentamento contra um ato administrativo, (ii) viola os princípios da imparcialidade e da paridade de armas, pois o julgador, em vez de julgar os fatos alegados e provados pela parte autora, passaria a envidar esforços para procurar no conjunto probatório se há alguma prova em favor da pretensão, independentemente da abstração e generalidade da causa de pedir, e (iii) transforma o Poder Judiciário numa segunda instância ordinária da Administração Pública federal.
Diante desse quadro, a parte autora deverá emendar sua judiciosa petição inicial com a finalidade de ser conferida a eficiência do art. 8° do CPC ao presente caso. […] Diante da necessidade de emendar a petição inicial, a tese jurídica não tem plausibilidade, razão pela qual, em nome da transparência jurídica e do dever de cooperação, indefiro o pedido de tutela de urgência, o qual será reapreciado oportunamente. Constata-se, desse modo, que as razões expostas no decisum não são suficientemente precisas quanto ao que deve ser complementado ou corrigido, notadamente considerando que a eficiência aludida pelo magistrado consubstancia princípio que, em virtude de sua própria estrutura normativa, possui elevado grau de generalidade e abstração. Ademais, o pronunciamento carece de fundamentação adequada, uma vez que, para além de não apreciar diversos argumentos deduzidos pela parte agravante, opta por indagações retóricas insuficientes ao deslinde da controvérsia. Vejamos: 1. Segundo a tese da petição inicial, os itens 17.9.5 e 17.9.6 do edital ferem o art. 30 da Lei 8.666/1993, e os itens 16.1 e 17.14.3, o art. 31 § 2°, da referida Lei. ·
Todavia, o edital é evidente: “O MUNICÍPIO DE BELÉM, por intermédio da Secretaria Municipal de Saneamento – SESAN, torna público, para conhecimento dos interessados, que na data, horário e local abaixo indicados, fará realizar a ABERTURA de licitação na modalidade Concorrência Pública, que será julgada pelo critério de melhor proposta em razão da combinação do critério de menor valor da CONTRAPRESTAÇÃO a ser paga pela Prefeitura Municipal de Belém (PODER CONCEDENTE), com o de melhor técnica, nos termos do artigo 12, inciso II, alínea “b”, da Lei Federal nº 11.079/2004, e será regida pela Lei Federal n° 11.079/2004, Lei Federal nº 11.445/2005, Lei Federal nº 12.305/2010, pela Lei Federal n° 8.987/1995, respectivas alterações, e no que couber pela Lei Federal n° 8.666/1993, e demais normas correlatas.”. Sendo assim, a petição inicial não trouxe qualquer argumento do motivo pelo qual foi apenas essa Lei levada em conta e não que as que disciplinam preponderantemente o certame. Indaga-se: as regras do edital não são compatíveis com as Leis que o disciplinam preponderantemente? Por que apenas a Lei 8.666/1993 é quem disciplina essa específica situação? 2. A pretensão é anular a concorrência pública 02/2023 do município de Belém. Essa mesma pretensão foi deduzida perante a justiça estadual. Em razão da falta de sucesso, o autor recortou o parecer do Ministério Público Estadual ofertado nos autos do agravo de instrumento 0812384-92.2023.8.14.000 (julgado pelo TJPA) com a finalidade de, nessa segunda tentativa, conseguir anular a referida concorrência. No agravo de instrumento, foi escrito: (i) “Além disso, oportuno ressaltar que os itens não exigem a comprovação da propriedade da área para implantação do CTR – Central de Tratamento de Resíduos e da Estação de Transferência de Resíduos – ETR, mas sim de indicação pela licitante de ao menos uma área, com parecer preliminar para implantação da CTR.”; (ii) “concordo que a previsão seja essencial para garantir o sucesso inicial da operação, notadamente com a desmobilização da CTR em Marituba, e que ao admitir “promessa”, “locação” ou “opção de compra”, não se está exigindo “propriedade prévia”, mas sim mera disponibilidade da área.”; (iii) “Para encerrar este tópico, noto que o Tribunal de Contas dos Municípios, ao analisar os itens 17.9.5 e 17.9.6 do Edital, apenas apontou que a Denunciada optou por, ao invés de incluir no certame a licitação da área onde haverá a destinação do lixo, repassar ao setor privado que, ao apresentar suas propostas no certame, identificasse a área onde será realizada a destinação dos resíduos para avaliação prévia a apresentação das propostas pela Municipalidade, e que o problema da transferência da responsabilidade ao setor privado da indicação da área, envolve o fato de que a Semas e SESAN não são os únicos órgãos técnicos que precisam ser consultados em uma PPP dessa magnitude, que engloba, necessariamente, interesse do todo o Estado o Pará e não apenas do Município de Belém.”; (iv) Porém, ainda assim, ressalto que, sobre estes itens do edital mencionados supra, a Corte de Contas, em seu Relatório Técnico, não constatou qualquer ilegalidade, pelos seguintes motivos: “Não merece acolhida porque se trata de uma garantia do Poder Público de exequibilidade contratual, amparada inclusive pelo parágrafo único do art.10-B da Lei 14026/2020 (Novo Marco do Saneamento), regulamentado pelo Decreto 10.710/2021 na redação do Decreto 11.466, de 05/04/2023 · vigente há época da última retificação editalícia.””; (v) “Somado a isso, é certo que, apesar da cumulação de exigências não ser a regra, a excepcionalidade do caso admite a aludida cumulação.
Trata-se, como já dito, de uma exceção, que compreende a natureza do objeto contratado, valor do contrato, longa duração, e motivação/justificativa pela Administração.”; (vi) “Ora, percebe-se que, excepcionalmente, nos casos de contratações de grande relevância, expressivo vulto econômico e de longa duração, os Tribunais de Contas vêm admitindo a cumulação da apresentação da garantia de proposta e da comprovação de capital social mínimo. Sendo assim, a exceção se amolda perfeitamente ao caso em análise, por se tratar de questão de grande relevância (serviços de limpeza urbana e manejo de resíduos sólidos), de expressivo vulto (R$ 926.763.897,98 – novecentos e vinte e seis milhões, setecentos e sessenta e três mil, oitocentos e noventa e sete reais e noventa e oito centavos-) e de longa duração (prazo de 30 -trinta anos), de modo que não merece acolhimento a tese suscitada pela recorrente.”. Entretanto, nenhum argumento sobre esses pontos foi trazido. Logo, quais são as razões jurídicas pelas quais esses pontos, na visão da parte autora, são juízos de valor equivocados? 3. Repetir a mesma pretensão em outro ramo da justiça não é abuso do direito de litigar? Diante da necessidade de emendar a petição inicial, a tese jurídica não tem plausibilidade, razão pela qual, em nome da transparência jurídica e do dever de cooperação, indefiro o pedido de tutela de urgência, o qual foi ser reapreciado oportunamente. […] Nesse contexto, evidencia-se que o magistrado deixou de enfrentar todos os argumentos deduzidos no processo capazes de, em tese, infirmar a conclusão adotada.
Vislumbra-se, ademais – além do perigo de dano ou risco ao resultado útil do processo inerente ao prosseguimento da licitação – a relevância da fundamentação expendida pela parte agravante, no sentido de que: i) embora a legislação exija apenas declaração formal de disponibilidade do bem imóvel para fins de implantação do projeto, o edital de licitação impõe a aquisição da propriedade do bem a qualquer título; ii) configura indevida limitação da concorrência exigir, com antecedência de 15 dias da abertura das propostas, a apresentação de parecer preliminar da administração sobre as áreas indicadas, atestando a viabilidade da medida; iv) para fins de qualificação econômico[1]financeira, a Administração não pode exigir dos licitantes, de forma cumulativa, capital social mínimo e patrimônio líquido mínimo; v) a falta de dotação específica e suficiente prevista na LOA pode configurar situação de irregularidade e lesão ao patrimônio público; e que vi) a ausência de projeto básico que fundamente a licitação, fornecendo meios para que os licitantes possam apresentar suas propostas, impossibilita o prosseguimento do certame. Desse modo, antecipo os efeitos da tutela recursal para suspender o referido procedimento licitatório até que o magistrado de origem: i) indique, com precisão, o que deve ser corrigido ou complementado com a emenda inicial (art. 321 do CPC); ii) apresentada a emenda, analise novamente a tutela de urgência requerida, enfrentando, desta feita, todos os argumentos deduzidos no processo capazes de, em tese, infirmar a conclusão adotada, especialmente os indicados no parágrafo anterior. Comunique-se ao Juízo de origem. Intimem-se as partes. Oportunamente, retornem-se os autos conclusos.
Brasília/DF.
Desembargador Federal
NEWTON RAMOS
Relator
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