A Terra Indígena Apyterewa, a mais desmatada do país, tem como invasores uma ex-vice-prefeita de São Félix do Xingu , um técnico que já chefiou uma unidade da Emater (Empresa de Assistência Técnica e Extensão Rural) do Pará e grandes criadores que forneceram gado diretamente —a partir das fazendas no território tradicional — a frigoríficos de grande porte no país, segundo o que está afirmado em denúncias apresentadas pelo MPF (Ministério Público Federal) à Justiça Federal no último dia 20.
As informações são da Folha de São Paulo. Ao todo, 31 ações criminais e 17 ações civis públicas detalham a suposta criação e a venda ilegal de gado por fazendas instaladas na terra indígena, sem as licenças devidas, um negócio que movimentou 48,8 mil cabeças de gado.
Os denunciados teriam cometido crime de invasão de terra da União e de execução de um serviço potencialmente poluidor sem autorização de órgão ambiental, conforme as ações do MPF no Pará. As denúncias foram baseadas em sistema da Adepará (Agência de Defesa Agropecuária do Estado do Pará) e em guias de trânsito animal emitidas para o deslocamento dos bovinos.
Desde o dia 2, o governo federal promove ações para retirada de invasores das terras indígenas Apyterewa e Trincheira Bacajá, no Pará. Para isso, uma força tarefa tenta pôr fim a uma vila que surgiu no primeiro território, com igrejas, bares, restaurantes, posto de gasolina e hotel.
Uma forte pressão política junto ao governo Lula (PT) tenta frear a desintrusão.Entre os denunciados pelo MPF à Justiça, está Cleidimar Gama Rabelo, a Cleidi Capanema, que foi vice-prefeita de São Félix do Xingu de 2013 a 2016. Segundo a acusação criminal, ela é detentora do Sítio Capanema, dentro da terra Apyterewa, e exerceu ilegalmente a atividade pecuária no território.
Guias de trânsito animal, citadas na denúncia, mostram que Cleidimar movimentou 1.859 cabeças de gado “oriundas da área ilegalmente ocupada na terra indígena”. Desse total, 94 foram para imóvel rural da Marfrig Global Foods, em 30 e 31 de julho de 2019. Outro invasor da terra indígena, segundo o MPF, seria Quesede Teixeira Teles.
A denúncia diz que ele é arrendatário da Fazenda Pontal Nova Vida, de onde partiram 280 cabeças de gado para outras propriedades. Teles já foi chefe do escritório da Emater em Ourilândia do Norte (PA), conforme ato publicado no Diário Oficial do Pará em agosto de 2020.
Uma terceira denúncia do MPF acusa de crimes o pecuarista Derly dos Santos Ramiro, “um dos fazendeiros mais influentes da Vila Renascer”, segundo um dos boletins de desintrusão divulgados pelo governo federal. A vila é a que a força-tarefa do governo tenta desconstituir, por ter sido erguida ilegalmente dentro da terra indígena. Ramiro foi preso no dia 3, por posse ilegal de arma de fogo.
Conforme a denúncia do MPF, ele é apontado como dono da Fazenda Dois Irmãos, dentro da terra Apyterewa. Em dez anos, 17 guias de trânsito animal foram emitidas por Ramiro para a movimentação de 2.001 cabeças de gado a outras fazendas, afirma a denúncia. Desse total, 16 animais tinham como destino um imóvel rural da FriGol S.A., em 29 de agosto de 2013.
A FriGol diz ser um dos cinco maiores frigoríficos do país, com mais de 450 mil bovinos ao ano. A empresa afirma exportar para mais de 60 países e ter receita bruta anual de R$ 3,7 bilhões. “Há um flagrante equívoco do MPF”, afirmou o advogado Vinicius Borba, que defende Ramiro na Justiça Federal. “Uma resolução da Funai elencou assentados de má-fé e o incluiu, mas ele não é um assentado da reforma agrária. Além disso, a posse é anterior à criação da terra indígena.”
O advogado disse que o gado vendido não foi “via pecuária ilegal”. Sobre a prisão por posse ilegal de arma de fogo, o cliente pagou fiança e foi liberado, conforme o defensor. Ramiro segue na terra indígena, segundo Borba. “E imputado à FriGol uma aquisição de animais para o abate demonstrados através de uma guia de trânsito animal que jamais transitou pela companhia”, disse o frigorífico, em nota.
“Em consulta à Adepará em 23/10/2023, foi observado que a guia está com o status ‘em trânsito’, evidenciando o não recebimento pela empresa.” O frigorífico comprou gado de outro suposto invasor da terra Apyterewa, Juscelino Moreira, conforme reportagem do site Repórter Brasil de setembro de 2022. Moreira também foi denunciado pelo MPF. Ele usou fazenda fora do território para a venda, conforme a Repórter Brasil. Entre os denunciados pelo MPF, estão também dois fornecedores de gado ao Haras e Parque de Vaquejada Dirceu Remor, conforme citado nas acusações: Cipriano Brito e Dorivan Dutra.
As fazendas dos dois na terra indígena enviaram 26 cabeças de gado ao parque de vaquejada, segundo a denúncia do MPF. O advogado do grupo Remor, Henrique Eboli, disse não saber se o parque integra o grupo. “Pelo que conheço do grupo familiar, eles não pactuam com ilegalidades de toda e qualquer forma e repudiam veementemente tais atos.”
O MPF denunciou ainda à Justiça como invasor da terra indígena Antônio Borges Belfort. O governo federal, em um boletim sobre a desintrusão, apontou Belfort —que já foi candidato a vereador em São Félix do Xingu — como fazendeiro responsável por manter um funcionário em situação análoga à escravidão.
“O trabalhador foi encontrado na propriedade, onde prestava serviços há cerca de 45 dias sem receber qualquer salário e vivia em condições degradantes”, cita um boletim do dia 4. O pecuarista também forneceu gado da fazenda na terra indígena a grandes frigoríficos.
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