Em manifestação de 11 de setembro na Ação Civil Pública que pede a anulação das licenças ambientais da empresa Atem Distribuidora de Petróleo S.A, em Santarém, o Estado do Pará – réu na ação – apresentou argumentos que afirmam que o Porto de armazenamento e transporte de combustíveis da Atem é de baixo impacto ambiental e, por isso não precisa realizar Estudo de Impacto Ambiental e Relatório de Impacto Ambiental (EIA/RIMA), conforme exige a Lei 6938/81 que estabelece a Política Nacional do Meio Ambiente. Além disso, o documento apresentado pelo governo estadual também declara a inexistência de terras indígenas na área de influência do empreendimento.
A Ação Civil Pública em questão foi movida pelos Ministérios Público Estadual e Federal contra o Estado do Pará e a empresa amazonense Atem, que possui um porto de combustíveis localizado na beira do Rio Amazonas, em frente à boca do Maicá – canal de água que abastece o Lago do Maicá, em Santarém. Os órgãos denunciam que houve fraudes no processo de licenciamento ambiental do porto e por isso pedem a anulação das licenças concedidas à empresa.
De acordo com o Ministério Público do estado e Federal, no projeto de licenciamento submetido à Secretaria de Estado de Meio Ambiente e Sustentabilidade do Pará (Semas), a empresa não declarou que transportaria cargas perigosas, e omitiu o fato de que o terminal portuário armazenaria combustíveis e outros derivados de petróleo para abastecer embarcações. Por omitir isso, a empresa teve o processo de licenciamento ambiental facilitado, com menos exigências e mais celeridade.
Desde o início da construção em 2019 até hoje – com a empresa atuante e consolidada na região – movimento sociais, quilombolas, indígenas e povos tradicionais do Lago do Maicá se mobilizam e denunciam os impactos ambientais trazidos pelo empreendimento.
A assessoria jurídica da Terra de Direitos – que acompanha o caso pela Federação das Organizações Quilombolas de Santarém (FOQS) – os argumentos apresentados pelo Estado do Pará na Ação Civil Pública são equivocados e não consideram os impactos socioambientais provocados pelo porto aos povos e comunidades tradicionais que vivem e utilizam o Lago do Maicá no cotidiano.
“Nesta mais recente manifestação do Estado do Pará fica evidente que não se propõe correções nem mesmo mediação do conflito com o Porto. O Estado ainda desconsidera o potencial dano à população do Maicá que é composta por uma pluralidade étnica de comunidades tradicionais, povos indígenas e comunidades quilombolas. Não existe nenhum argumento plausível na manifestação do Estado. Não se trata de um caso controverso ou de difícil resolução jurídica. O Estado do Pará está simplesmente se negando a exigir os estudos da empresa”
Na manifestação na ação a Procuradoria do Estado, ao afirmar que empreendimento é de baixo impacto ambiental, considera apenas a área ocupada pelo empreendimento sem avaliar que o transporte das cargas perigosas e a movimentação das embarcações nas águas do lago também tem impacto no cotidiano dos povos e comunidades tradicionais.
O Estado ainda negou a existência de povos indígenas impactados pelo porto: “No local do empreendimento não há sobreposição em áreas militares, territórios indígenas ou unidade de conservação, estando em área de floresta pública do tipo B (não destinada)”, registra o documento.
No entanto, a questão não se trata apenas de sobreposição da área do porto com território indígena, mas dos impactos aos modos de vida dos povos originários que vivem próximos ao lago, como é o caso dos povos Munduruku e Apiaka, da região do planalto santareno.
Consulta prévia
Os povos indígenas do planalto santareno são mais um dos povos e comunidades tradicionais que tem o direito a consulta prévia, livre e informada violado pela empresa Atem e pelo Estado do Pará. Essa é mais uma das irregularidades apontadas pelos Ministérios Públicos Estadual e Federal na Ação Civil Pública.
O Lago do Maicá é lar de mais de 1.500 famílias, que somam cerca de 10 mil pessoas, entre elas diversos povos tradicionais santarenos, como ribeirinhos, pescadores, quilombolas e indígenas, que não foram consultados previamente sobre a construção do porto de combustíveis e tiveram seu direito à consulta violado.
A Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT) é o tratado internacional que garante o direito à consulta aos povos tradicionais quando um empreendimento, projeto ou medida vai trazer impacto aos seus territórios e modos de vida.
As comunidades quilombolas, fortemente afetadas pelo porto da Atem, mobilizaram-se por meio da Federação das Organizações Quilombolas de Santarém (FOQS) e pediram o ingresso no processo da Ação Civil Pública como assistente litisconsorcial – ou seja, passa a ser parte da ação – para defender o seu direito de consulta e reparação dos dados causados pela empresa aos territórios.
O pedido foi feito em 2020, mas apenas este ano, ou seja, 03 anos depois, a Federação Quilombola vai poder se manifestar no processo. Apesar da morosidade da justiça em atender o pedido dos quilombolas, a expectativa é que agora eles consigam garantir a efetivação de seus direitos e que isso traga resultados positivos também para as demais comunidades tradicionais da região do Lago do Maicá, como os indígenas e ribeirinhos.
“Foi de suma importância [o ingresso na Ação] porque a gente se torna a voz e tem autonomia dentro do processo do porto, na qual nós não tínhamos. Para nós quilombolas que lutamos para ser protagonistas, por nos representar e falar por nós mesmo, foi muito importante poder estar participando do processo e estar na defesa dos nossos territórios. Agora a gente vai poder reivindicar que a empresa respeite os nossos direitos, uma empresa que foi construída à revelia dos nossos direitos”, declarou Mirianne Coelho, da secretaria da FOQS. A FOQS se manifestará no processo em contraposição a manifestação do Estado do Pará
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