O Alexandre de Moraes. Os Insultos em Roma. A Inviabilidade de Processo



 Os insultos dirigidos ao ministro Alexandre de Moraes e aos seus familiares por um grupo de brasileiros no aeroporto de Roma, na última sexta-feira (14), têm uma pena baixa, o que inviabiliza que sejam processados na Justiça brasileira, caso a legislação aplicável ao episódio seja estritamente seguida. Essa é a opinião de criminalistas consultados pela Gazeta do Povo. 

A punição dos envolvidos no Brasil só seria juridicamente plausível se a conduta dos supostos agressores de Moraes fosse enquadrada como crime contra o Estado Democrático de Direito – esse é o enquadramento defendido pelo ministro da Justiça e Segurança Pública, Flávio Dino. Nesse caso as penas seriam bem mais altas, mas isso seria um exagero, dadas as circunstâncias até agora conhecidas do episódio, de acordo com os especialistas ouvidos pela reportagem. 

Pelo que se sabe, Moraes teria sido chamado de “bandido”, “comunista” e “comprado” por brasileiros que embarcavam para o Brasil. Segundo a representação enviada pelo ministro à Polícia Federal, seu filho, Alexandre Barci de Moraes, teria tomado um tapa de um dos supostos agressores – no caso, o empresário Roberto Mantovani. O empresário e a esposa negaram em nota que tenham ofendido ou ameaçado Moraes, e sugeriram que ele, com 71 anos, é que teria sido agredido pelo filho do ministro.

As investigações foram trazidas à PF no Brasil por iniciativa de Moraes. Em regra, um crime cometido no exterior é investigado lá, mas a lei penal admite que seja apurado aqui caso a vítima ou o agressor sejam brasileiros e cheguem ao país. 

Trata-se do chamado princípio da extraterritorialidade, previsto no artigo 7º do Código Penal. Para isso, é preciso que, além de não terem sido processados, penalizados ou perdoados lá fora, o crime seja punível também no país em que foi praticado e que ainda esteja incluído entre aqueles pelos quais a lei brasileira autoriza a extradição. Essa última regra é necessária para que o crime seja processado no Brasil, mas, segundo os criminalistas consultados, não estaria preenchida no caso. Isso porque os crimes aventados – injúria, difamação, ameaça e lesão corporal – têm todos pena máxima de um ano. 

E a lei brasileira diz que os crimes extraditáveis, que permitem a punição do brasileiro em território nacional, são aqueles cuja pena é superior no Brasil a dois anos de prisão. É o que diz a Lei de Migração (13.445/2017), em seu artigo 82, inciso II, segundo o qual “não se concederá a extradição quando (…) a lei brasileira impuser ao crime pena de prisão inferior a 2 anos”.

“Se não estiver presente uma das condições, não pode haver aplicação da lei penal brasileira. Não acho inadequado que haja a investigação no Brasil, para que a conduta de cada envolvido seja apurada. Mas se o crime não for passível de extradição, é inviável o processo aqui”, diz o advogado criminalista, mestre e professor de Direito Penal José Nabuco Filho. 

“A princípio pode investigar, a questão é que fica inviável a persecução penal se só forem configurados apenas crimes contra a honra, como injúria e difamação, conforme a Lei de Migração. Mas as partes poderão alegar que houve crimes ou penas maiores, o que viabilizaria a ação penal no Brasil”, acrescenta o doutor em Direito Penal pela USP Matheus Falivene. 

Num cenário de crimes com penas mais baixas, portanto, o mais seguro seria processar o caso na Itália, mas isso poderia se mostrar inócuo com a presença de todos os envolvidos no Brasil. O caso, no entanto, pode mudar de patamar, e levar a punições mais pesadas, caso se considere que as ofensas configuram também um crime contra o Estado Democrático de Direito. Em entrevistas, o ministro da Justiça, Flávio Dino, e o ministro aposentado do Supremo Tribunal Federal Ricardo Lewandowski defenderam essa punição.

Invocaram, para isso, o crime de “abolição violenta do Estado Democrático de Direito”, que consiste em “tentar, com emprego de violência ou grave ameaça, abolir o Estado Democrático de Direito, impedindo ou restringindo o exercício dos poderes constitucionais”, e cuja pena varia de 4 a 8 anos de prisão. Mas, para os criminalistas, seria um exagero considerar que xingamentos a uma autoridade no exterior ameaçariam a democracia e o Estado de Direito no Brasil. 

“Por mais que a lei tenha amplitude, não dá para achar plausível que alguém xingar um ministro é tentativa de abolir o Estado Democrático [de Direito]. Por mais abjeta que seja conduta, não configura”, diz José Nabuco Filho. “Em tese a ofensa pessoal não atenta contra o estado democrático, porque não tem lesividade suficiente para isso. No 8 de janeiro, era algo muito maior. Nesse caso específico, acredito que não seja possível”, afirma Matheus Falivene. 

Opinião semelhante foi apresentada pelo ex-deputado Deltan Dallagnol. Por meio das redes sociais, ele criticou a possibilidade de enquadrar o episódio envolvendo o ministro como uma ameaça à democracia brasileira. “Até parece que as 3 pessoas suspeitas de hostilizarem o ministro iriam derrubar o governo brasileiro com alguns xingamentos de “comunista” e instalar um governo provisório lá do aeroporto de Roma, na Itália”, afirmou Dallagnol.

Caso fiquem configurados apenas crimes com penas menores, de um ano, a única saída para processar os envolvidos no Brasil seria a aplicação de uma lei específica, o tratado ítalo-brasileiro, de 1989, que admite a extradição para crimes com pena maior que um ano. A aplicação ou não ao caso seria outra discussão possível de ser tratada pelas partes no Brasil. Nada disso, no entanto, impede a investigação, na avaliação não só de advogados, mas também de autoridades que acompanham o caso consultadas pela reportagem. 

Uma delas, que preferiu não se identificar, considera que a comunicação da PF com as autoridades italianas, para obter imagens e relatos de funcionários do aeroporto, será facilitada. Isso poderia ser feito por meio do Diretora do Departamento de Recuperação de Ativos e Cooperação Jurídica Internacional (DRCI), órgão do Ministério da Justiça que firma cooperação com outros países em investigações fora do Brasil, ou diretamente, via Interpol, organização internacional que congrega polícias do mundo todo para investigações conjuntas. 

A PF no Brasil deverá solicitar, ainda nesta semana, que as autoridades italianas preservem as gravações de segurança do aeroporto, de modo a elucidar melhor o que ocorreu. Dentro do STF, ainda não se sabe se Moraes vai puxar para si a investigação, dentro do inquérito das fake news ou de outros que derivam dele, por cobrirem “ataques” às instituições.

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