O Ministério Público Federal (MPF) e o Ministério Público do Trabalho (MPT) enviaram ao governador do Pará recomendação contra a sanção do Projeto de Lei 246/2023, aprovado na última terça-feira (6) pela Assembleia Legislativa do Estado (Alepa). No documento, os procuradores apontam nítida afronta à Constituição Federal, ao Estatuto do Ministério Público da União e a Resoluções do Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP) e do Conselho Superior do Ministério Público do Trabalho (CSMPT).
A lei cria o Fundo Estadual de Promoção do Trabalho Digno e de Erradicação do Trabalho em Condições Análogas às de Escravo (Funtrad). O fundo será composto de valores arrecadados em sentenças e penalidades administrativas que envolvam a violação de direitos do trabalho digno. Estarão inclusos os valores de acordos judiciais celebrados com o MPF, o Ministério Público do Estado Pará, o Tribunal Regional do Trabalho da 8ª Região e outros órgãos da área. Os recursos do fundo serão destinados conforme deliberação da Secretaria de Estado de Igualdade Racial e Direitos Humanos (Seirdh).
Na recomendação, o MPF e o MPT apontam que o projeto de lei viola o princípio da independência funcional, que garante aos membros do Ministério Público autonomia para desempenhar suas funções constitucionais. Entre elas, destacam a defesa dos interesses sociais e a reversão de bens e de recursos decorrentes da atuação finalística do MP para entidades, órgãos e instituições para concretização dos direitos humanos.
O MPF e o MPT explicam, no documento, que as unidades do Ministério Público já contam com regras específicas sobre a reversão de verbas oriundas de multas e de danos morais relacionados à tutela coletiva e para firmar acordos de concretização de direitos humanos em políticas públicas. As normas definem procedimentos internos e preveem medidas de controle e averiguação das destinações feitas por seus membros.
“O condicionamento da destinação de condenações judiciais e multas de termo de ajustamento de conduta ao Funtrad consiste em patente violação às prerrogativas dos membros do Ministério Público, inerentes à sua independência funcional e ao controle jurisdicional próprio do microssistema de tutela coletiva”, afirmam.
A determinação da destinação dos recursos, como estabelecida no projeto de lei, de acordo com o MPF e o MPT, é também inconstitucional por tratar-se de competência da União, não podendo ser definida pelo Estado.
Os valores decorrentes da atuação ministerial consensual/extrajudicial e de indenizações decorrentes de ações e acordos judiciais, destinados à recomposição de danos à sociedade, não compõem o patrimônio do Estado.
“Portanto, não compete ao Estado legislar acerca de sua destinação, uma vez que são valores privados que, por se relacionarem à reparação de ilícitos a direitos difusos e coletivos, devem receber destinação atinente ao interesse público primário (da sociedade) e não secundário (interesse de governo), bem como se trata de competência privativa da União legislar sobre Direito do Trabalho (art. 22, inciso I da CRFB/1988)”, aponta trecho da recomendação.
Por fim, os órgãos ressaltam que o Funtrad é estadual e, então, há necessidade de contrapartida do governo com previsão de dotação orçamentária obrigatória na lei, prevendo o compromisso com a política de enfrentamento do trabalho escravo. O MPF e o MPT estabelecem prazo de 15 dias para que sejam informadas as medidas adotadas para o cumprimento da recomendação.
Comentários
Postar um comentário