As Americanas. A CPI. Os Dados Sigilosos e a Estratégia Jurídica



 A própria estratégia jurídica em si, adotada por advogados do grupo, atuais assessores contratados, de antecipar materiais e dados sigilosos da investigação ainda em andamento, na audiência pública da CPI da Americanas, pode estender mais o imbróglio frente às investigações em andamento. As acusações feitas anteontem, na segunda ruidosa apresentação pública da empresa sobre o tema desde o início da crise – a primeira envolveu a controversa exposição do caso pelo ex-CEO Sérgio Rial, em janeiro -, abriram terreno para uma eventual reação da diretoria anterior, também na CPI.

Há hipótese de todos os sete ex-diretores, acusados pelo grupo, e as duas auditorias envolvidas no caso (KPMG e PwC) serem chamados em audiências na CPI. Na noite de ontem, a defesa do ex-diretor da Americanas José Timotheo de Barros se posicionou questionando a estratégia dos assessores da Americanas. Disse que a ação, na CPI, serviu para “perturbar” as apurações e fala em leviandade. Advogados de Barros citam o fato relevante, publicado pela Americanas na manhã de terça-feira, que faz as acusações de fraude aos sete ex-diretores. 

“No mesmo dia, baseado em documento elaborado de modo parcial para perturbar as apurações, trechos do que seria parte de relatório de investigação feita pelos advogados da empresa (não pelo comitê independente) foram mostrados de maneira leviana em comissão [da CPI], apresentando meras opiniões de suspeitas como verdades”, afirmam os escritórios Moraes Pitombo Advogados e França e Nunes Pereira Advogados, que representam Barros.

Ainda no campo das auditorias da empresa, a PwC só irá assinar os pareceres dos balanços finais após a conclusão da investigação pelo comitê independente – e após confirmação das supostas constatações de fraude, segundo fonte próxima da auditoria. Isso acaba atrelando o progresso do caso numa determinada esfera a definições em outras esferas do caso. Neste momento, diversos balanços, de anos anteriores, estão sob revisão dos auditores da PwC – algo iniciado em janeiro, e sem data para terminar.

E o comitê independente criado para investigar o caso não trabalha com prazos para se manifestar. A ideia inicial de que isso levaria cerca de seis meses (logo, até o mês de julho) já está afastada.  Os movimentos da rede e dos assessores jurídicos do grupo – Vilardi Advogados, pelo lado criminal, e BMA – levaram à publicação do fato relevante, cerca de seis horas antes da audiência do CEO, Leonardo Coelho, na CPI. Pelo apurado até o momento, a publicação do fato relevante, na data da CPI, não foi coincidência. Entre abril e maio houve uma reunião entre o conselho de administração da varejista, membros do comitê independente e os advogados da Americanas (chamados pelo conselho).

Os encontros têm sido períodicos, mas naquele contado o comitê apresentou “indícios” de fraudes na ex-diretoria, bancos e nas duas auditorias. Também foi o comitê que identificou o problema nas verbas de propaganda. E também levantou toda a troca de mensagens que foi apresentada pela Americanas na CPI. Outras conclusões apresentadas na CPI aos advogados da rede. Na reunião, o conselho pediu os 600 documentos levantados pelo comitê, e isso foi encaminhado, depois, aos advogados. A Americanas não informou ao mercado, mas Vilardi e BMA estão no caso desde janeiro. Foi a partir dessa reunião que o trabalho dos assessores se intensificou. Eles não tiveram acessos a relatórios dos comitês.

Questionada se Vilardi, do advogado Celso Vilardi, e o BMA são advogados do grupo ou do trio de acionistas de referência (Beto Sicupira, Jorge Paulo Lemann e Marcel Telles), o que caracterizaria conflito, uma fonte diz se tratar de um contrato com a Americanas, que paga pelo serviço. O trabalho dos assessores se acelerou quando a Americanas tomou conhecimento que o CEO Leonardo Coelho ou Camille Faria, diretora financeira, iria à CPI. Na semana passada, já com a possibilidade da audiência no radar, os advogados solicitaram reunião com o conselho para tratar do que já havia sido verificado nos documentos desde abril.

A partir dali, com o conselho tomando conhecimento dos fatos pelos advogados, ele seria colocado na posição de ter que apresentar os dados ao mercado. “[Buscar a reunião antes da CPI] foi proposital porque vimos os dados sobre a fraude no material e não poderíamos nos omitir. E com uma audiência próxima, era preciso trazer ao mercado o que se sabia”, diz uma fonte a par do tema. Após a audiência, cresceu a percepção no mercado de que o comitê teria sido “atravessado” pelos assessores da empresa, antecipando a divulgação de dados complexos, e ainda em fase de avaliação.

Uma fonte afirma que o comitê sabia que seria feita a apresentação na CPI. Mas havia um entendimento de que não seria liberado o relatório dos assessores jurídicos, com 10 a 12 páginas. O problema é que não seria possível apresentar as fraudes sem alguma documentação, mesmo sem conseguir dar um contexto mais claro. Essa questão do contexto foi alvo das conversas entre os advogados, apurou o Valor. 

O material também foi encaminhado à CVM e ao Ministério Público.Durante a CPI, o CEO cita um e-mail da auditora da PwC, de 2016, em relação à elaboração do texto do risco sacado num parecer a ser publicado pela auditoria. Parte dos assessores entendia que cabia essa divulgação na CPI, mas havia discordâncias em relação à falta de um contexto mais claro, dizem fontes.

A respeito dessas apurações, a Americanas informa que, em reunião do seu conselho, na segunda-feira, “os assessores jurídicos da administração da Americanas apresentaram relatório contendo achados preliminares” relacionados com as “inconsistências contábeis”, relatadas em janeiro. 

“O relatório apresentado foi baseado em documentos entregue pelo comitê de investigação independente e por documentos complementares identificados pela administração e seus assessores jurídicos e indica que as demonstrações financeiras da Companhia vinham sendo fraudadas pela diretoria anterior da Americanas”

Os assessores jurídicos da empresa não comentaram.

Fonte : Valor Econômico (Colaborou Victoria Netto)

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