O Diário Oficial do Estado do Pará publicou, na edição desta segunda-feira, 29, a sentença da Corte Interamericana de Direitos Humanos, datada de 30 de junho de 2022, declarando a República Federativa do Brasil internacionalmente responsável pela violação dos direitos às garantias judiciais e à proteção judicial e ao direito à verdade, como consequência das graves falências do Estado na investigação sobre a morte violenta do advogado Gabriel Sales Pimenta, crime ocorrido em 1982 em Marabá.
A Corte ressalta que o estado brasileiro foi responsável pela violação dos direitos do advogado e dos seus familiares Maria da Glória Sales Pimenta, Sérgio Sales Pimenta, Marcos Sales Pimenta, José Sales Pimenta, Rafael Sales Pimenta, André Sales Pimenta e Daniel Sales Pimenta.
O crime – Em 18 de julho de 1982, Gabriel Sales Pimenta dirigiu-se ao bar conhecido como “Bacaba”, na cidade de Marabá, na companhia de alguns conhecidos. Aproximadamente às 22:30 horas, Gabriel, Edson Rodrigues Guimarães e Neuzila Cerqueira Guimarães saíram juntos do bar. Quando os três haviam percorrido entre 30 a 35 metros em direção ao veículo de uma amiga, passaram ao lado de um automóvel marca Volkswagen, tipo Fusca, de cor bege, que se encontrava estacionado. Um homem saiu do veículo e disparou três vezes contra o advogado, que morreu de maneira instantânea. Os assassinos e mandantes nunca foram punidos. Gabriel Pimenta era oriundo do município de Juiz de Fora, no estado de Minas Gerais, onde se formou em direito. Em 1980 se incorporou como advogado do Sindicato de Trabalhadores Rurais de Marabá sendo um dos primeiros advogados a fixar residência no município. Além disso, foi representante da Comissão Pastoral da Terra.
A sentença da Corte Interamericana ressalta que desde a década de 1960, há registros de distintos conflitos agrários no Brasil que resultaram em mortes violentas de trabalhadores rurais e seus defensores. Com efeito, de 1961 a 1988, foram mortos 75 sindicalistas, 14 advogados, 7 lideranças religiosas, e 463 líderes de lutas coletivas. A decisão afirma que o Estado do Pará, durante o período de 1961 a 1988, foi o líder no ranking de mortes e desaparecimentos, com 772 entre 1971 e 2004, dos quais, respectivamente, 239 e 574 ocorreram no Sul do estado. O Pará foi destacado por alguns organismos e organizações internacionais pelos conflitos constantes e violentos relacionados à luta pela terra, que resultaram na morte de centenas de trabalhadores rurais, líderes sindicais, advogados e defensores de direitos humanos.
“Entre 1964 e 1998, dos 703 casos de trabalhadores rurais vítimas de homicídio, 5,26% foram julgados. Por outro lado, entre 1985 e 2013, de 428 casos de homicídios relacionados a conflitos no campo, 21 casos foram levados a julgamento, resultando na condenação de 12 autores intelectuais e 17 autores materiais.” Diz a sentença frisando que, quanto ao município de Marabá, onde ocorreu a morte de Gabriel Sales Pimenta, a taxa de impunidade foi de 100% entre 1975 e 2005.
A Corte verificou que os familiares de Gabriel Pimenta acompanharam e estiveram ativamente envolvidos, como assistentes de acusação, no processo penal iniciado para apurar o seu homicídio desde o princípio, e envidaram esforços para o seu avanço e conclusão. Apesar disso, o processo foi concluído após quase 24 anos após o crime, unicamente com a declaração da extinção da responsabilidade penal a favor do único acusado sobrevivente.
Quanto ao dano material, a corte decidiu que a União terá que indenizar Maria da Glória Sales Pimenta com a quantia de 20 mil dólares; Rafael Sales Pimenta com 30 mil dólares e ainda dez mil dólares a favor de cada um dos irmãos do advogado assassinado.
Quanto às circunstâncias do crime a Corte estabeleceu pagamento de 50 mil dólares para Maria Sales Pimenta, 50 mil dólares para Geraldo Pimenta e 30 mil dólares para cada um dos irmãos. A sentença também ordenou ao Estado as seguintes medidas de reparação integral:
criar um grupo de trabalho com a finalidade de identificar as causas e circunstâncias geradoras da impunidade estrutural relacionada à violência contra as pessoas defensoras de direitos humanos dos trabalhadores rurais;
oferecer tratamento psicológico e/ou psiquiátrico gratuito aos irmãos do senhor Sales Pimenta que o requeiram;
publicar o resumo oficial da Sentença no Diário Oficial da União, no Diário Oficial do Estado do Pará e em um jornal de grande circulação nacional, assim como a Sentença, na íntegra, no sítio web do Governo Federal, do Ministério Público e do Poder Judicial do Estado do Pará;
realizar um ato público de reconhecimento de responsabilidade internacional em relação aos fatos do presente caso;
nomear uma praça pública no município de Marabá, no Estado do Pará, com o nome de Gabriel Sales Pimenta, onde seja instalada uma placa de bronze que indique o nome completo de Gabriel Sales Pimenta e explique brevemente sua vida;
criar um espaço público de memória na cidade de Belo Horizonte, no estado de Minas Gerais, no qual seja valorizado, protegido e resguardado o ativismo das pessoas defensoras de direitos humanos no Brasil, entre eles, o de Gabriel Sales Pimenta;
criar e implementar, em âmbito nacional, um protocolo unificado e integral de investigação, dirigido especificamente aos crimes cometidos contra pessoas defensoras de direitos humanos, que leve em consideração os riscos inerentes ao seu trabalho;
revisar e adequar seus mecanismos existentes, em particular o Programa de Proteção aos Defensores de Direitos Humanos, Comunicadores e Ambientalistas, nos âmbitos federal e estadual, para que seja previsto e regulamentado através de uma lei ordinária e tenha em consideração os riscos inerentes à atividade de defesa dos direitos humanos;
elaborar e implementar, através do órgão estatal correspondente, um sistema nacional de coleta de dados e cifras relacionados a casos de violência contra as pessoas defensoras de direitos humanos;
criar um mecanismo que permita a reabertura de investigações e processos judiciais, inclusive naqueles em que tenha ocorrido a prescrição, quando, em uma sentença da Corte Interamericana, se determine a responsabilidade internacional do Estado pelo descumprimento da obrigação de investigar violações de direitos humanos de forma diligente e imparcial,
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