Na noite do último domingo (12), durante a comemoração do Oscar 2023, estrelas do cinema que concorriam a algumas das principais categorias da premiação receberam uma estatueta de madeira, representando Omami, divindade adorada pelos Yanomami, povo indígena que vivencia uma das maiores crises humanitárias do Brasil. Além da premiação com a estatueta de madeira, foi apresentado um filme que revela os impactos do garimpo para a Amazônia e as pessoas que ali vivem, principalmente em razão do mercúrio despejado nos rios, que é altamente tóxico. A ação faz parte da campanha “O Custo do Ouro”, que possui o intuito de mobilizar estrelas do cinema de Hollywood para que ajudem na problemática global que ocorre no território brasileiro. De acordo com o MapBiomas, a área de mineração nacional cresceu 564% entre 1985 e 2020, sendo que pelo menos metade das áreas de garimpo no início do período pandêmico eram consideradas ilegais.
Com o objetivo de entender os reais impactos do garimpo, a professora e pesquisadora do Departamento de Economia da Universidade Federal Fluminense (UFF) Carolina Grottera, desenvolve o projeto “Impactos econômicos, sociais e ambientais da expansão do garimpo de ouro na Amazônia – o caso da Bacia do Tapajós”, juntamente com os docentes que também são da universidade Luiz Jardim, do Departamento de Geografia, e Roldan Petro Muradian, do Departamento de Economia. O estudo foi contemplado pela bolsa FAPERJ Jovem Cientista do Nosso Estado, um incentivo financeiro que impulsiona a pesquisa científica e acadêmica. A fim de explicar sobre o que se trata o projeto, a professora concedeu uma entrevista à UFF. Confira:
Como foi desenvolvido o projeto?
Cada professor possui uma frente. A parte do professor Roldan é voltada ao mercado internacional, porque a Amazônia brasileira pode ser enquadrada como área de alto risco de conflito, já que os metais extraídos do país vêm de áreas com violência e violações de direitos humanos. Já a frente coordenada pelo Luiz se refere ao mapeamento desses conflitos. Dito isso, a gente entra na terceira parte do projeto, que é a mais associada ao trabalho de campo. Tem muito garimpo de ouro nessa região e uma boa parte da população vive em função disso. Nós visitamos a cidade de Itaituba, que é um caso emblemático. Ela possui 100 mil habitantes, dos quais muitos dependem dessa extração porque ela gira a economia, o setor de serviços e o dinheiro que circula dentro da cidade. Simplesmente coibir o garimpo não é uma solução.
Como foi realizar esse trabalho de campo e de que forma ele ajudou na coleta de informações e reunião de material para a pesquisa?
Por se tratar de um contexto muito específico e de um mercado informal, baseado na ilegalidade, é um grande desafio obter informações oficiais e fidedignas sobre o garimpo na Amazônia. O trabalho de campo realizado em dezembro de 2022 em Santarém e Itaituba nos permitiu obter dados primários sobre a dinâmica do garimpo e entender como a região e sua economia giram em torno desta atividade. E, claro, também foi importante para compreendermos melhor o contexto e o posicionamento dos atores que compõem esta cadeia.
O projeto possui estimativa do volume de ouro movimentado pela ‘economia do garimpo’?
O volume de ouro extraído foi estimado em uma tonelada por mês. A perspectiva de quantos garimpeiros estão no Tapajós é bastante incerta. Durante as entrevistas, a estimativa era de 40 mil a 60 mil pessoas trabalhando em função do garimpo na região. Ainda que não seja possível quantificar com precisão a magnitude da economia do ouro, há algum consenso de que pelo menos 70% dos recursos movimentados em comércios, serviços e os empregos dependem direta ou indiretamente do garimpo na região.
Até o momento, qual alternativa viável para coibir o garimpo ilegal e irregular na Amazônia sem prejudicar a vida das pessoas que dependem dele para sua subsistência?
É necessário restringir a atividade garimpeira às áreas onde ela é permitida (Reserva Garimpeira do Tapajós, uma área historicamente reconhecida para este fim). Não pode haver de forma alguma garimpo em Terras Indígenas e em Unidades de Conservação em que a atividade não seja permitida – é necessária uma governança e que se faça cumprir a lei, o que não ocorre atualmente na região. Nas áreas em que o garimpo é permitido, é necessário que as permissões de lavra tenham todas as licenças necessárias, incluindo a licença ambiental e o cumprimento de condicionantes ambientais.
Com base no estudo e no contexto político atual, você acredita que a situação do garimpo na Amazônia pode mudar de que forma?
Como já está acontecendo, estamos vendo o Governo Federal priorizando e mobilizando muitos recursos e pessoal para combater a crise na terra indígena Yanomami. Há inúmeros casos de violações também nas terras dos povos Munduruku e Kayapó. Então, espero que estes outros territórios sejam priorizados em algum momento. É uma mudança brusca de direção com relação ao garimpo, pois a gestão Bolsonaro tinha abertamente um discurso pró-garimpo, marcado inclusive por esforços legislativos para flexibilizar a proteção ambiental ligada ao garimpo (PL 191), além do desmantelamento das capacidades de fiscalização dos órgãos competentes.
Como você acredita que o estudo pode impactar nessa sociedade dependente do garimpo?
Pretendemos mostrar que o garimpo tal qual acontece hoje requer grandes investimentos iniciais. Dessa forma, uma elite com capacidade financeira é quem se beneficia, enquanto os garimpeiros seguem vivendo de forma precarizada e bastante marginal, sem conseguir romper com o ciclo de pobreza que impera na região. Ao mesmo tempo, gostaríamos de mostrar que a região gira em torno da atividade e que não basta coibir o garimpo sem oferecer alternativas de emprego e renda para as pessoas que ali vivem.
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