A Ruth Pimentel. O Banpará. A Auditoria. A Quebra do Sigilo. Os Servidores e o Indiciamento



 O Antagônico recebeu farto material, enviado via e-mail, indicando que ainda vai longe, muito longe, a queda de braço entre o ex-presidente do Banpará, Braselino Carlos e a atual e agora reintegrada Ruth Pimentel. No último dia 30 de janeiro, o delegado David Bahuri Mesquita da Silva, da Delegacia Especializada em Investigação de Estelionato e Outras Fraudes encaminhou ao Ministério Público do Pará, o indiciamento,  sob a acusação de quebra ilegal de sigilo bancário de boa parte dos servidores que compõem a Auditoria instaurada para investigar Pimentel. 

Os indiciados são Lenise Lima Serra, Auditora Chefe,  Michelle Patrícia de Aguiar de Lima Freitas, coordenadora de Auditorias, e os servidores Alina Lidiane de Oliveira Liberal Sousa, Fábio José Barbosa dos Santos e Ítalo Marcell da Silva Nascimento. Em sua defesa, Lenise Serra e Michelle Freitas afirmam categoricamente que a Auditoria Interna, no processo de apuração das denúncias, sempre agiu em proteção aos interesses da instituição Banpará, observando critérios de objetividade, imparcialidade e procedimentos técnicos rotineiramente utilizados por décadas,  e que até então nunca haviam sido questionados internamente pela administração do banco.

O envio do indiciamento ao MP ocorre sete dias após a auditora chefe do Banpará, Lenise Serra e a coordenadora de auditoria, Michelle Freitas, encaminharem relatório “pedindo lona”, afirmado não ser mais viável, e razoável, a continuidade das apurações da 2 e 3 denúncias contra a presidente afastada do  banco, Ruth Pimentel e o vice-presidente financeiro, Vando Ferreira.  No relatório, Lenise e Michelle discorrem que a Auditoria Interna concluiu a apuração da 1 denúncia, recebida em 14 de setembro de 2022, cujo parecer foi encaminhado ao Coaud e ao Consaud, em outubro do ano passado, estando as outras apurações, 2 e 3, em andamento.

O relato das duas servidoras diz que após a conclusão do primeiro trabalho, algumas “mudanças de cenário” começaram a ser observadas “ para as quais é prudente que esta Auditoria Interna, em observância às melhores práticas e, primando pela transparência, alerte e mantenha o Conselho informado sobre alguns fatores e situações que possam, principalmente”, impactar de alguma forma a independência e objetividade da auditoria interna”.  

Os “fatores” a que se relacionam a auditora e a coordenadora de auditoria atentam para a sinalização de mudança na composição do Conselho de Administração; a renúncia de membros independentes de órgãos estatutários e destituição de gestores que estavam atuando nas investigações; possibilidade de aplicação de penalidades por parte dos fiscalizadores e , não menos importante, possibilidade de uma abstenção de opinião, quanto às demonstrações contábeis de 2022, pela auditoria independente.  

Ao final do relatório, as duas servidoras sugerem a instauração de uma Comissão Especial Independente, ( que inclua pelo menos um membro do próprio Conselho e da Auditoria Interna), de especialistas internos ou, se for o caso, a contratação de especialistas externos.

Em matéria publicada ontem o site Valor Econômico afirma  que a comissão processante instaurada pelo conselho de administração do Banpará) concluiu que houve intereferência injustificada de ambos nos fluxos de pagamentos e fornecedores do banco e que a executiva tem uma “relação atípica de caráter conflitante de interesse” com Celso Penalber, representante da Lanlink Soluções. Essa empresa é fornecedora do banco e recebeu um pagamento de R$ 10,877 milhões em setembro do ano passado. 

O imbróglio no Banpará começou em setembro de 2021, quando uma denúncia anônima feita por funcionários foi encaminhada para o conselho de administração, apontando supostas irregularidades cometidas por Ruth e Ferreira A acusação é a de que eles estavam interferindo no fluxo de pagamentos a fornecedores, cobrando propina para liberar esses pagamentos e favorecendo determinadas empresas. Uma delas é a Lanlink, onde trabalha o companheiro de Ruth, Celso Penalber. Um relatório preliminar do comitê de auditoria do banco já havia concluído que não era possível comprovar tratativas ou concretização do recebimento de propina. Ainda assim, o órgão apontou que houve falta de zelo na adoção de boas práticas de governança corporativa, de gestão de riscos e controles internos e de mecanismos de proteção aos acionistas.

“Pelos fundamentos ora lançados, esta comissão entende que houve descumprimento de regramentos balisares por parte da diretora-presidente, quando da titularidade da Diretoria Financeira, conquanto inobservou regras estabelecidas no Regulamento de Licitação e Contratos do Banpará, e, ainda, de compliance e governança, quanto aos aspectos de parte relacionada e conflito de interesses, pelo fato de possuir relação próxima com gerente de agente econômico, quando então lhe seria exigido o dever de abstenção de tratativas da espécie, incorrendo, por esses motivos, em vulneração dos princípios da impessoalidade, da igualdade, da publicidade, da isonomia e da moralidade”, diz o relatório da comissão, ao qual o Valor teve acesso.

A defesa de Ruth e Ferreira alega que a “suposta “interferência” nos fluxos de pagamento nada mais é do que “o regular exercício das mais comezinhas atribuições do banco”. Segundo essa defesa, eles “estão sendo acusados de interferir no fluxo [de pagamentos] quando, em verdade, simplesmente implementaram controle interno que foi determinado pelo próprio CMN”. Eles alegam que estariam cumprindo a Resolução nº 4.968/2021 do Conselho Monetário Nacional (CMN) que “impôs a obrigação, a partir de 01.01.2022, de implementação e manutenção de sistemas de controles internos nas instituições”. 

A comissão processante, no entanto, diz não ser plausível o argumento da defesa de que a presidência do banco está cumprindo suas competências e deveres, em obediência às normas internas e externas, “haja vista que resta comprovado nos autos do processo a participação dos defendentes em rotinas/atividades operacionais no fluxo de pagamento de fornecedores, nos termos identificados pela Auditoria Interna, atribuições não respaldadas nos normativos e regulamentos internos e/ou externos”.

Para a comissão, ainda que se suponha que a presidência estivesse no pleno gozo de suas atribuições ao executar as medidas em questão, e mesmo admitindo que fosse “absolutamente necessária a fiscalização realizada” pela presidência, “causa espécie essa conduta ter sido tomada sem que se apresente formalmente, estudos ou diagnóstico por meio de nota técnica ou parecer que indiquem as fragilidades dos controles internos neste processo em comento”.  Para a comissão, o Manual de Normas e Procedimentos de Pagamento a Fornecedores e Prestadores de Serviços do Banpará “não prevê o envio do reporte da inconsistência a qualquer diretor em específico, muito menos incluir uma etapa de aprovação de pagamento a cargo da diretora-presidente”.

Nesse sentido, a comissão processante entende serem improcedentes as alegações da defesa para refutar o apontamento da auditoria interna quanto à interferência no processo de pagamento de fornecedores, sem a devida justificativa. “A interação dos defendentes no processo de pagamento não é compatível com suas competências legais, regulamentares, estatutárias e de boas práticas de governança”. 

Em relação a um suposto favorecimento à Lanlink em licitação de 2021, quando Ruth já mantinha um relacionamento Penalber, a presidente do banco alega que não houve “repasse de informação sigilosa e que seria capaz, por si só, de garantir o êxito da empresa”. Entretanto, a comissão processante conclui que “a defendente agiu com parcialidade no tratamento da empresa ‘Lanlink’ no processo nº 625/2021, bem como, descumpriu o Regulamento de Licitações e ainda desencadeou uma situação de conflito de interesse ao favorecer a ‘Lanlink’ com informação privilegiada”.

A comissão aponta que e-mails trocados por Ruth e Vando com Penalber com Suzanna Assayag, superintendente da área de cobrança do Banpará, mostram que dez meses antes da licitação em questão foi repassado à Lanlink o fluxo da régua de cobrança, “configurando-se assim o repasse de informação privilegiada à empresa citada”. 

Ainda assim, em um dos poucos pontos em que concordou com a defesa de Ruth e Ferreira, a comissão processante admite que não há comprovação de pagamento antecipado à empresa Lanlink. Sobre o argumento de Ruth e Ferreira de que foram afastado sem ter tido prazo para registrarem suas defesas, a comissão processante afirma que isso não caberia na fase de análise pelo comitê de auditoria. 

“Por ostentar essas atribuições iniciais, a garantia da ampla defesa e do contraditório nesse momento não se mostraria exigível, eis que, posteriormente, haverá fase específica para observância desses preceitos” Para a comissão, o conselho de administração deve valer-se dos meios necessários para evitar a majoração de prejuízos à instituição. “Nesse fim, outra medida não lhe seria cobrada se não de afastar, temporariamente, as pessoas indicadas como responsáveis pela situação objeto da investigação. Ressalte-se, indicações lastreadas em acervo probatório relevante e que sustentam, mesmo que de forma indiciária, a ocorrência dos eventos relatados”.

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