Começou a ecoar, e muito, a nível nacional, o escândalo do Banpará, (mais um), envolvendo o afastamento da presidente Ruth Mello. O Governo do Pará, leia-se Helder Barbalho, que controla o banco, defende permanência da presidente investigada e tenta alterar maioria dos membros do conselho de administração. Veja a abaixo o teor da matéria bombástica publicada nesta segunda-feira, 16, no site Valor Econômico revelando uma teia de mistérios que envolvem propina, corrupção e manobras do governo do Pará:
16/01/2023 05h01
Mais de 20 anos depois de estar no centro de um escândalo que levou à renúncia do então senador Jader Barbalho, o Banco do Estado do Pará (Banpará) está envolvido novamente em suspeitas de corrupção. O caso provocou o afastamento da presidente da instituição, Ruth Pimentel Méllo, e do diretor financeiro, Vando Ferreira. Depois de o conselho de administração retirar temporariamente os dois das suas funções, o governo paraense, que é o acionista controlador, iniciou uma batalha para trocar quatro dos sete membros do colegiado.
O banco tem ações na bolsa e, assim, é obrigado a cumprir uma série de regras da Comissão de Valores Mobiliários (CVM). Porém, a liquidez é baixíssima. O governo paraense detém 99,9767% do capital. Foi por causa dessas obrigações com o órgão regulador do mercado de capitais e da presença de membros independentes no conselho que o escândalo veio à tona.
O imbróglio começou em setembro do ano passado, quando uma denúncia anônima feita por funcionários foi encaminhada para o conselho de administração, apontando supostas irregularidades cometidas por Méllo e Ferreira. A acusação é a de que eles estavam interferindo no fluxo de pagamentos a fornecedores, cobrando propina para liberar esses pagamentos e favorecendo determinadas empresas. Uma delas é a Lanlink Soluções, onde trabalha o companheiro de Méllo, Celso Penalber.
CEO e CFO do banco são acusados de interferir no fluxo de pagamentos aos fornecedores e cobrar propina
Segundo documentos aos quais o Valor teve acesso, incluindo o relatório elaborado pelo comitê de auditoria, não foi possível comprovar tratativas ou concretização do recebimento de propina. Ainda assim, o órgão concluiu que houve falta de zelo na adoção de boas práticas de governança corporativa, de gestão de riscos e controles internos e de mecanismos de proteção aos acionistas. “São ações que infringem os princípios da impessoalidade, legalidade, integridade, moralidade, igualdade, publicidade, vinculação ao instrumento convocatório, obtenção de competitividade e probidade administrativa”, diz o relatório.
Além dos supostos pedidos de propina, há indicações de que Méllo beneficiou a Lanlink. Esta teria sido favorecida em uma licitação e depois recebido um pagamento de cerca de R$ 11 milhões usando um fluxo previsto para situações excepcionais, fora dos sistemas normais do banco. “Identificou-se que a diretora-presidente, Ruth Méllo, possui relação próxima com o sr. Antônio Celso Vasques Penalber pelo menos desde 2020, pois se evidenciou em uma rede social dele publicação de foto em viagem a Cancún, no México, na companhia da diretora-presidente. Identificou-se (sic) ainda transações a débito da conta corrente da diretora-presidente em favor de Celso Penalber, no período de maio de 2021 a julho de 2022”, diz o relatório da auditoria.
Após a denúncia, a executiva teria atuado para dificultar as apurações internas. Há relatos de pressão a funcionários que foram ouvidos pela auditoria e atraso na divulgação da ata da reunião do conselho de administração que deliberou pela apuração do caso. Ainda assim, em novembro o colegiado acabou decidindo afastá-la, assim como Ferreira, dos respectivos cargos, até que seja concluído o processo administrativo interno que apura o caso, o que deve ocorrer em meados de fevereiro.
Os problemas no Banpará já foram comunicados ao Ministério Público Federal, ao BC e à CVM
A decisão do conselho não foi unânime. Segundo o Valor apurou, o afastamento foi aprovado pelos membros independentes do colegiado, Aláudio Mello Junior, Tereza Serrão e Roberto Barreto, além do representante dos minoritários, Adilson Dias. João Lima e Genyce Amorim foram contrários. A própria Ruth Méllo tem assento no órgão, mas não pode votar em temas nos quais é parte interessada. O conselho indicou que a presidência do banco fosse assumida interinamente pelo diretor comercial e de fomento, Jorge Antunes, mas o governo do Pará acabou indicando o diretor de controle e risco, João Lima, que como citado acima é membro do conselho e próximo de Méllo.
Após o colegiado afastar a executiva, o governo do Pará iniciou uma jornada para alterar a composição do órgão. Primeiro, convocou uma assembleia geral extraordinária (AGE) para tentar dissolvê-lo. Depois, descobriu que isso não seria possível por esse caminho, e tentou então indicar quatro novos conselheiros, que foram aprovados em AGE no último dia 9, mas cuja posse ainda depende de aprovação do Banco Central. Enquanto isso, o governo acabou tirando Mello Júnior da presidência do órgão e colocando Genyce Amorim.
Na semana passada, o BC restabeleceu Mello Júnior como presidente do conselho e a AGE realizada em dezembro foi considerada sem efeito. Nesse meio tempo, há acusações de que a administração do banco estaria dificultando os trabalho da comissão interna de sindicância, trocando auditores, advogados e até mesmo atrasando serviços de secretaria. Ruth Méllo teria feito um boletim de ocorrência contra alguns auditores, alegando que eles quebraram seu sigilo bancário de forma ilegal.
Depois da denúncia inicial contra Méllo e Ferreira, surgiram mais duas, a respeito de irregularidades que envolveriam outros membros da diretoria. Essas novas acusações foram encaminhadas pelo conselho, mas ainda não há um parecer do comitê de auditoria sobre elas. Os problemas no Banpará já foram comunicados ao Ministério Público Federal, ao Banco Central e à CVM. Segundo o Valor apurou, a KPMG, que audita o balanço do banco, teria indicado que seria preciso contratar uma investigação externa para apurar as denúncias, o que ainda não foi feito. Procurados, o BC disse que não comenta, a CVM também afirmou que não pode falar sobre casos específicos, mas disse que “acompanha e analisa informações e movimentações no âmbito do mercado de valores mobiliários brasileiro, tomando as medidas cabíveis, sempre que necessário”. O MPF confirmou que no fim de novembro recebeu representação (denúncia) com solicitação de apuração do tema. “A documentação aguarda análise inicial de membro do MPF”.
Méllo, Ferreira e Penalber foram procurados, mas não responderam, assim como o próprio Banpará. A Lanlink refutou as denúncias e disse que todos os processos envolvidos no contrato com o Banpará, desde a licitação por meio de pregão eletrônico, o cumprimento das obrigações e a sistemática de pagamento pelo objeto da prestação de serviços estão dentro das normas legais e previsões contratuais. “Atendemos o Banpará desde 2005 com dezenas de contratos e serviços prestados e soluções entregues ao longo desses 17 anos de atuação, sem qualquer mácula ou vínculo a qualquer administrador ou gestor público. Nossa atuação sempre foi e será técnica, buscando entregar a melhor solução aos clientes, com total comprometimento e dentro do que está preconizado nos contratos acordados.”
A Lanlink disse ainda que o pagamento da parcela de R$ 11 milhões, que na realidade é de R$ 10,877 milhões após as devidas retenções de tributos federais, “foi realizado da forma habitual do nosso histórico com o banco”. Sobre a relação de Penalber com Méllo, a empresa afirmou que, após o questionamento do Valor, houve a abertura de ocorrência que está em análise pela área de compliance e será conduzida à luz das políticas internas. “Caso seja apurado algum descumprimento, medidas cabíveis serão tomadas.”
Já o governo do Pará informou que um dos requisitos para a indicação a cargos no Banpará é que a pessoa seja idônea e não tenha contra si nenhum fato que a desabone ou mesmo ponha em dúvida seu histórico profissional. O governo ressalta que Méllo foi assessora do ex-presidente do Banpará, indicada ao conselho de administração e à diretoria, e depois à presidência. “Exerceu todos estes cargos sem nenhuma notícia de irregularidade até o momento do seu inesperado afastamento por conta de um relatório preliminar. O governo informa ainda que não vai substituir uma funcionária com este perfil, homologada pelo Banco Central, a partir de denúncias que não sejam formalizadas por canais oficiais e comprovadas.”
O governo paraense alega que não houve denúncia formal no conselho de administração. Na realidade, as atas mostram que os conselheiros alinhados com o governo argumentavam que o conselho não pode receber denúncias, que elas deveriam ter sido encaminhadas via Sistema de Gerenciamento de Denúncias e recepcionadas pelo núcleo de controles internos e compliance. Esse órgão é que faz a análise inicial e, no caso de denúncias especiais, envia para a auditoria interna. A maioria dos membros do conselho aceitou a denúncia com base no inciso XXXVII do artigo 4 do regimento interno do colegiado. Esse trecho diz que compete ao conselho, em casos de investigações especiais, “avaliar e deliberar sobre a condução dos procedimentos investigativos, quando a denúncia envolver conselheiros, membros da diretoria colegiada e de comitês estatutários”.
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