Na segunda material especial sobre a Máfia da Madeira em atuação no Pará, O Antagônico publica mais detalhes das investigações da PF para desbaratar um gigantesco esquema criminoso envolvendo empresários, madeireiros, advogados e que afastou do cargo um juiz federal. Diante do avanço do desmatamento ilegal, a Polícia Federal, como forma de se adaptar à sistemática do crime organizado com atuação na região Amazônica, passou a adotar novo método de investigação, por meio de abordagem in loco, aplicando a técnica de análise da origem da madeira.
Durante a Operação Arquimedes, por exemplo, a investigação da PF desbaratou um esquema orquestrado por organização criminosa que extraía, de forma ilegal, madeira do Estado de Roraima. A produção era transportada até Manaus, Amazonas, via BR 174, sendo escoada pelo Porto Chibatão, considerado o maior complexo portuário privado da América Latina, localizado no coração do Polo Industrial da capital amazonense.
O sucesso da atividade policial forçou a mudança de dinâmica das organizações criminosas dedicadas a crimes ambientais. A partir de então, rotas alternativas foram traçadas. A madeira ilegal passou a ser transportada via novos portos, com posterior distribuição por via terrestre. Abandonou-se o transcurso pela rodovia federal (BR 174), sendo escolhido o caminho alternativo pelo Porto da cidade de Caracarai/RR.
Toda essa mudança de dinâmica teve repercussões drásticas na modificação da logística do transporte das madeiras, acentuando a queda no volume de madeira escoado por Roraima e Amazonas. Ao mesmo tempo, não por acaso, ocorreu um aumento estratosférico do transporte de madeiras sem passar pelos portos de Manaus. Com efeito, ficou claro para a PF que o bando criminoso permaneceu atuando no ramo altamente lucrativo de extração ilegal de madeira, tendo se adaptado à nova realidade de repressão policial, passando a adotar caminhos alternativos para escapar da fiscalização.
Não demorou muito para os agentes descobrirem o novo modus operandi. De início, identificou-se a navegação de balsas carregadas de madeiras em toras na região do Rio Mamuru. Para coibir esta prática criminosa, a Superintendência da Polícia Federal no Amazonas determinou o deslocamento da embarcação Nova Era (base fluvial da SR/PF/AM) para as proximidades do município de Parintins. O objetivo do deslocamento era criar um “gargalo” no escoamento da madeira do Amazonas ao Pará.
Foi a partir de então que a PF deu início a Operação Handroanthus, para identificar e mapear as novas rotas ilegais. A partir de então, foram coordenadas diversas incursões, muitas com o apoio logístico do Exército Brasileiro, para apurar a fundo as infrações conexas às primeiras ocorridas em territórios do Estado do Amazonas. Diversos locais de crime foram explorados em plena floresta Amazônica, mais precisamente nas circunscrições dos municípios de Parintins, Juruti, Itaituba, Aveiro e Santarém.
A incursão policial realizada no mês de dezembro de 2020 logrou apreender elevada quantidade de madeira, aproximadamente 131.100 m³, nos municípios no Estado do Pará. Foi ai que a Operação Handroanthus identificou um engenhoso esquema criminoso, de difícil apuração sob o ponto de vista dos instrumentos clássicos de investigação. A comprovação, por exemplo, do depósito, transporte ou guarda de madeira, sem licença válida outorgada pela autoridade competente, era apurada tradicionalmente pelos órgãos de fiscalização por meio de simples conferência documental. A fragilidade desta análise abriu espaço para o desequilíbrio entre os agentes econômicos atuantes no ramo madeireiro, minando a competitividade inerente ao princípio da livre concorrência.
Como resultado, as pessoas jurídicas passaram a participar de esquemas criminosos para “esquentar” a documentação expedida pelos órgãos ambientais competentes. A prática de crimes contra a Administração Pública tornou-se corriqueira, podendo-se citar a falsidade ideológica, falsidade documental, a corrupção ativa e passiva, e até mesmo a prevaricação. Com isso, a extração “ilegal” se traja, de forma dissimulada, de legal.
Ciente desta engenhosidade, a PF teve de se adaptar e conhecer a fundo o modus operandi destas organizações criminosas para empregar novos meios para combater, caso contrário, a impunidade se perpetuaria eternamente.
A fraude, segundo a PF, teve início na Regularização Fundiária junto ao Instituto de Terras do Pará, no qual são inseridas informações ideologicamente falsas para fins de usufruto do lote, sendo posteriormente perpetrada no próprio Plano de Manejo Florestal Sustentável – PMFS.
Nesta etapa, diz o relatório da Polícia Federal, os engenheiros florestais dos órgãos ambientais competentes (a exemplo da Secretaria Municipal de Meio Ambiente e Sustentabilidade – SEMAS, no Estado do Pará) tem por obrigação legal realizar vistoria em campo antes de os PMFS obterem suas licenças de operação.
“No entanto, na estimativa do volume de madeira disponível para corte de uma determinada Área de Manejo Florestal (AMF), estes maus profissionais, de acordo com o esquema fraudulento, superestimam o volume ou adicionam, astuciosamente, árvores de alto valor comercial ao inventário florestal da área. Em outras palavras, são adicionadas árvores inexistentes na AMF.”
Diz a PF frisando que estes “créditos” são usados para “esquentar” a contabilidade de serrarias que estão processando árvores ilegalmente extraídas de outras regiões, como florestas em terras indígenas, áreas protegidas ou terras públicas.
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