Itaituba. O Dirceu Frederico. A Prisão em São Paulo. Os 77 Quilos de Ouro


 Está recolhido na sede da Polícia Federal em São Paulo um dos maiores compradores de ouro de Itaituba, o empresário Dirceu Santos Frederico Sobrinho, ex-suplente de senador de Flexa Ribeiro. Em 2018, Dirceu foi candidato a 1° suplente do ex-senador Flexa, que agora tenta novamente se eleger pelo Pará. Ribeiro, que agora é aliado de Helder Barbalho e também foi preso pela PF em novembro de 2004, é consultor da Associação Nacional do Ouro (Anoro), entidade presidida por Dirceu e que concentra várias empresas do mesmo e outras gigantes do setor.

Identificado em uma blitz de rotina da Polícia Militar, o empresário de garimpo foi detido neste domingo (18), em Moema, zona sul de São Paulo. Ele é alvo de uma ordem de prisão temporária de cinco dias emitida pela Justiça Federal em Rondônia por suspeita de extração ilegal de ouro em terras indígenas na Amazônia. Dirceu é acusado dos crimes de usurpação de bens da União, receptação dolosa e dano ambiental. O processo corre em sigilo. Dirceu Frederico é sócio da distribuidora de valores FD Gold, instalada na Avenida Paulista.

A PF já estava atrás dele e a pressão só aumentou depois que 77 quilos de ouro avaliados em R$ 23 milhões foram encontrados no interior de São Paulo, em 4 de maio. O metal precioso era transportado por seis homens, três deles policiais militares, sendo que dois atuavam no Gabinete Militar, órgão encarregado da segurança do governador de São Paulo e do Palácio dos Bandeirantes (o tenente-coronel Marcelo Tasso e o sargento Gildsmar Canuto). 

A carga chegou em um bimotor King Air ao Aeroporto Estadual de Sorocaba e foi interceptada a caminho da capital, no pedágio do Km 74 da Rodovia Castelo Branco, no município de Itu, depois de levantar suspeitas das autoridades aeroportuárias. Apesar de haver documentação, a suspeita é que o ouro tenha vindo de reservas indígenas localizadas no Mato Grosso e no Pará. Na ocasião, o empresário afirmou que o ouro era transportado para a FD Gold e negou qualquer irregularidade.

Só que há suspeitas mais antigas. Em 2021, o Ministério Público Federal (MPF) pediu a suspensão das atividades da FD Gold e o pagamento de compensações e indenizações de mais de R$ 3,26 bilhões. O MPF alega que entre 2019 e 2020, a distribuidora comercializou ao menos 1.370,2 quilos de ouro de origem ilegal extraído das terras indígenas dos povos Kayapó e Munduruku, nos municípios paraenses de Itaituba, Jacareacanga e Novo Progresso. 

As alegações do MPF são fundamentadas por um estudo da Universidade Federal de Minas Gerais que mostra que nos locais apresentados como de origem do minério não há lavras ativas, conforme imagens de satélite. Nessas áreas haveria apenas “permissões de lavra garimpeira inexploradas, temporalmente vencidas ou não ainda emitidas”.

Figura frequente em Brasília, Dirceu é próximo ao vice-presidente Hamilton Mourão e da cúpula do governo Bolsonaro. Em agosto de 2021, o Ministério Público Federal acusou da FD Gold de despejar no mercado nacional e internacional 1370 quilos de ouro ilegal somente entre 2019 e 2020. 

A origem do ouro está nas cidades de Itaituba, Jacareacanga e Novo Progresso, no sudoeste do Pará, principal centro de garimpagem ilegal do Brasil e palco de inúmeros conflitos com povos indígenas, em especial os Munduruku. A gigante FD Gold sofreu uma série de alterações societárias e quintuplicou o capital social declarado à Receita Federal poucos dias antes de ser denunciada pelo MPF em 2021.

Em janeiro de 2022, cinco meses após a denúncia, a empresa abriu um posto de compra de ouro justamente na região de onde teria tirado mais de uma tonelada de ouro ilegal. Além disso, os dois últimos sócios, Dirceu Santos Frederico Sobrinho e Anderson Aparecido Dias, se retiraram da empresa, que passa a ser unipessoal, ou seja, pertencer a apenas um sócio, a holding controlada por eles, a FD Gold Holding Financeira Ltda.

A holding foi aberta em julho de 2021, conforme documento assinado em 01 de outubro de 2021 e arquivado na Junta Comercial de São Paulo em 27 de dezembro de 2021.  A nova empresa de Dirceu Frederico e Anderson Dias está registrada no mesmo endereço da FD Gold DTVM, na Avenida Paulista, centro financeiro do país. Apesar de registrada em São Paulo, o centro de interesses da FD Gold DTVM é a região aurífera do Tapajós, no Pará. Além de comprar o ouro produzido na região, a empresa exerce influência política nos municípios a partir de doações de campanha feitas pelo sócio Dirceu Santos Frederico Sobrinho.

A FD Gold DTVM é uma Distribuidora de Títulos e Valores Mobiliários, uma empresa que faz intermediação de investidores e títulos no mercado financeiro. Não é um banco, mas é uma empresa regulada pelo Banco Central e, por isso, precisa publicar suas demonstrações contábeis e ter programas robustos de governança. Contudo, os dados de alterações contratuais mostram fragilidades ignoradas pelo Banco Central. 

Em 11 de maio de 2021 a FD Gold DTVM submeteu ao Banco Central um comunicado de intenção de aumento de capital, documento aprovado pela instituição em 20 de julho. O aumento de capital faz parte de uma série de movimentos atípicos feitos pela empresa. Toda a movimentação está registrada na Junta Comercial do Estado de São Paulo.

A primeira alteração no contrato foi a retirada da sócia Sarah Janaína Almeida Frederico Westphal, que vendeu ao pai, Dirceu Santos Frederico Sobrinho, a única quota que tinha na empresa, pelo valor de um real.Embora tenha vendido sua cota em 11 de maio de 2021, a alteração contratual foi registrada na Junta Comercial somente em 06 de agosto de 2021. Sarah, na condição de sócia minoritária, recebeu como distribuição de lucro, R$ 4 milhões. Já o sócio majoritário, Dirceu Frederico, recebeu R$ 1 milhão.

Sarah se retirou da FD Gold DTVM, mas continua a atuar no negócio do ouro. É sócia do pai na empresa D’Gold Purificação de Metal Precioso Ltda e também consta como sócia da Marsam Refinadora de Metais Ltda, empresa que Dirceu Frederico foi sócio até 27 de julho de 2021. A segunda alteração no contrato da FD Gold foi a venda de quotas que o então único dono da empresa, Dirceu Frederico, fez a um novo sócio, Anderson Aparecido Dias. 

Dirceu Frederico vendeu 20 mil quotas a Anderson Dias pelo valor de R$ 20 mil. Após as mudanças no quadro societário, foi procedida a terceira alteração — todas no mesmo documento, na mesma Alteração Contratual — os sócios procederam o aumento do capital social, de R$ 4 milhões para R$ 20 milhões. Para isso a empresa emitiu 16 milhões de novas quotas, cada uma valendo um real.

Anderson, que ingressou na sociedade com R$ 20 mil, recebeu novas cotas e, imediatamente viu o valor de sua participação na empresa ser multiplicada por cinco, passando para R$ 100 mil. Consta no documento que o aumento do capital social se deu mediante a incorporação do saldo da conta Reservas Especiais de Lucros dos exercícios anteriores, apresentada no Balanço Patrimonial de dezembro de 2020; ou seja, são parte dos lucros gerados e que não foram divididos entre os sócios.

A denúncia do MPF traz à tona um dos principais elementos que podem ter levado a FD Gold DTVM ao envolvimento com o garimpo ilegal: a falta de um sistema de compliance efetivo. Em novembro de 2021, a empresa apresentou um documento na Junta Comercial de São Paulo em que define quem são os diretores, por área de atuação. Não há a indicação de quem é o Compliance Officer da empresa. 

No documento, consta que a área de Segurança Cibernética, por exemplo, é de responsabilidade de Anderson Dias. Não há, no entanto, o mapeamento de risco informando as salvaguardas e quais as ações adotadas para mitigar os riscos, ações necessárias em qualquer programa de compliance.

Outro exemplo é a Ouvidoria, de responsabilidade de Dirceu Frederico, segundo o documento. Ou seja, o próprio sócio da empresa é o responsável por receber as possíveis denúncias de irregularidades, situação que pode configurar conflito de interesse. Em ata de reunião da diretoria de 06 de dezembro de 2021, a empresa nomeou Carolina Cândido de Jesus como ouvidora, no entanto, manteve perante o Bacen a informação de que o responsável pela área da Ouvidoria é Dirceu Frederico. Segundo o MPF, o dano socioambiental causado pela FD Gold na Amazônia ficou em 9 mil hectares de desmatamento, despejo de mercúrio nos rios e o comprometimento da saúde de um enorme contingente de pessoas que, no total, chegou a R$ 1,7 bilhão, disse o Ministério Público na ação de agosto de 2021.

Um dos pedidos do MPF na denúncia é a condenação da FD Gold DTVM para a prevenção de danos ambientais e socioambientais futuros. O MPF pede que sejam implementados sistemas preventivos de compliance. Em seu site, a FD Gold DTVM informa que a empresa possui área de governança, mas, para o MPF, a publicação dos manuais não se traduziu em ações efetivas de prevenção a irregularidades.

De acordo com a denúncia, a lei obriga que o comprador de ouro exija e registre o CPF ou CNPJ do vendedor, além do registro em entidade comercial e o título de lavra que comprove de onde veio o ouro. Assim, lembra o MPF, bastaria uma rápida consulta online para identificar ouro retirado irregularmente.

A decisão de não realizar esse processo de checagem para prevenir ilegalidades é classificada pelos procuradores como uma postura de “cegueira deliberada”. Vale destacar que, justamente para evitar situações como essa, as instituições financeiras são obrigadas por lei a identificar clientes, manter cadastros atualizados e registros de transações. Assim, seria possível detectar e comunicar operações com indícios de lavagem.

Dirceu Frederico Sobrinho tem empresas que vão desde o garimpo até a exportação do ouro, passando pela revenda, fundição e refino. Seu histórico mostra uma presença efetiva em toda a cadeia do ouro brasileiro, cujo descontrole é total.

Dirceu esteve em pelo menos duas reuniões com o vice-presidente Hamilton Mourão (PRTB), uma em 2019 e outra em janeiro de 2021. Além disso, se reuniu com Bento Albuquerque, ministro de Minas e Energia (MME), Ricardo Salles, ex-ministro do Meio Ambiente, Onyx Lorenzoni, ex-ministro da Casa Civil e com diversas figuras do MME e da Agência Nacional de Mineração (ANM), entre outros.

A maior exportadora de ouro do garimpo – a BP Trading, com receita anual de R$ 1,4 bi – compra o metal da FD Gold. Ambas são associadas da Anoro. No início de abril de 2022, FD Gold e BP Trading anunciaram em nota que “encerram a parceria comercial para venda de ouro ativo financeiro no varejo que era operada sob a marca Reserva Metais. A decisão foi de comum acordo entre as partes e visa manter os alinhamentos com as estratégias comerciais individuais de ambas as empresas”. As duas empresas, no entanto, afirmaram que “seguem parceiras em outros segmentos do mercado de ouro ativo financeiro, como já é feito desde 2015”.

Em seu próprio LinkedIn, Dirceu Frederico Sobrinho afirma que sua atuação no mercado de ouro começou em 1986 e que “é um dos poucos brasileiros que trabalhou em todas as etapas da cadeia produtiva do setor de ouro, desde a compra nas remotas regiões produtoras, o beneficiamento e a posterior comercialização do ouro como ativo financeiro para investidores, clientes industriais e demais instituições financeiras do Sistema Financeiro Nacional”.

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