Mais um capítulo da briga de foice que está sendo travada entre o juiz da comarca de Paragominas, Márcio Teixeira Bittencourt e o Tribunal de justiça do Estado do Pará. A Presidente do TJ Célia Regina Pinheiro, encaminhando para a corregedoria a denúncia do juiz, para apuração de possíveis infrações disciplinares, considerando as graves acusações feitas contra o Poder Judiciário Estadual e seus órgãos.
“Conclui-se, portanto, que são manifestamente infundadas as graves acusações feitas pelo magistrado reclamante contra o Poder Judiciário Estadual e seus órgãos, não havendo qualquer elemento fático que corrobore as alegações deduzidas na peça introdutória.”
Pontou a presidente.
A história teve início em novembro do ano passado quando o magistrado encaminhou a Corregedoria do Tribunal uma Reclamação narrando fraudes e irregularidades institucionais, com graves violações de direitos humanos que estariam ocorrendo no Cartório de Registro do único Ofício de Paragominas, com a conivência do TJ e da própria Corregedoria.
Na Reclamação, o juiz fez um minucioso relato da situação envolvendo o Cartório de Paragominas, frisando que as irregularidades se iniciaram em 1965, ou seja há quase 60 anos atrás, quando o então prefeito de Paragominas acumulou os cargos de gestor municipal e também Oficial do Cartório do Único Ofício. Com o falecimento de Amílcar, a sua esposa, Carmem Sylvia Pombo Tocantins assumiu a titularidade do cartório.
O magistrado afirma, no documento, que a família Tocantins Pombo é uma das pioneiras de Paragominas, acumulando o exercício da Prefeitura e do Cartório do Único Ofício, fortalecendo a situação de vinculação entre política e registros os dias atuais.
“Importante ressaltar que o filho da oficiala senhora Carmem Sylvia Pombo Tocantins, senhor Paulo Tocantins, e sua esposa trabalhavam no Cartório de Registro do Único Ofício, lançando-se candidato a Prefeito como Paulinho do Cartório, exercendo o Mandato de Prefeito no período de 2012-2016 e posteriormente o segundo Mandato em 2017-2020”.
Diz o relato do magistrado afirmando que após a eleição de Paulinho, a primeira dama Maria Cecília Lopes Peres, continuou a trabalhar na cartório como Oficial Substituta. E o mais grave : Na última correição ordinária extrajudicial, consta na folha de pagamento do Cartório o nome de Paulo Pombo Tocantins na ocupação da Tabelião Substituto.
“Atualmente quem de fato está exercendo o oficialato de registro imóveis é o enteado do ex-prefeito Senhor Diogo Júnior M. Parente. Em relação aos Registros de Pessoas Físicas é a nora da Oficiala Carmem Sylvia Pombo Tocantins, de nome Adriana juntamente com o marido Sérgio, quem de fato estão exercendo as atividades perante de Paragominas.”
Pontua o relatório registrando que a Oficiala Carmem Pombo Tocantins, mãe de Paulinho, está com a idade avançada, tendo demonstrado dificuldades para o exercício pleno do encargo, especialmente pela dificuldade de audição.
O juiz relata ainda que desde a origem o Município de Paragominas, no cartório local nunca ocorreu a separação entre as atividades de registros públicos e os interesses políticos. No relato, o magistrado faz graves acusações, afirmando que as fraudes no cartório de Paragominas trouxeram muitas consequências e problemas estruturais, alguns de difícil solução e com a conivência da Corregedoria do Tribunal de Justiça do Estado do Pará. Ou seja, o juiz de Paragominas encaminhou uma relação ao TJ denunciando a própria Corte e a sua Corregedoria.
No tocante a Regularização Fundiária, prossegue o juiz, a confusão entre política e registros públicos teve consequências nefastas, trazendo grande instabilidade para a ocupação urbana de Paragominas. Isso porque desde o primeiro interventor, Amílcar Batista Tocantins, até os dias atuais, houve a transferência do patrimônio para a família proprietária do Cartório. Ou seja, os familiares que atuam perante o Cartório de Paragominas, atualmente divergem em relação a como regularizar bairros inteiros do Município.
O ex-Prefeito, Paulinho do Cartório, defende a regularização não onerosa, ou seja, utilizou-se da sua função para obter vantagem eleitoral, com promessas de regularizações fundiárias que não ocorreram. Por outro lado, outros parentes da Oficiala querem cobrar valores das pessoas para fins de regularização.
A situação do uso político do Cartório do Único Ofício de Paragominas restou muito bem materializada em dois processos judiciais de Usucapião. No processo n.º 0801041-21.2019.8.14.0039, relata que em 19 de junho de 2019, os requerentes protocolaram perante o Cartório requerimento de Usucapião Extrajudicial na modalidade ordinário em face dos herdeiros de Amilcar Batista Tocantins. Todavia, considerando que o processamento do usucapião extrajudicial prescinde de anuência do titular do direito real ou seus herdeiros, estes foram regularmente notificados pelo Oficial do CRI de Paragominas para se manifestarem acerca do pedido. Instado a se manifestar, o herdeiro Paulo Pombo Tocantins e então prefeito, anuiu o processamento do procedimento, justamente por reconhecer se tratar de uma ocupação mansa e pacifica há mais de 10 anos.
Mas, porém, contudo, os demais herdeiros condicionaram a anuência ao procedimento mediante pagamento de quantia para viabilizar a legalização do imóvel, o que não foi aceito pelos requerentes, por entenderem que além de já terem pago o preço pela aquisição do bem, também exercem a posse há mais de 10 anos.
“Em decorrência disso, os requeridos apresentaram impugnação ao pedido de usucapião extrajudicial, tão somente para tumultuar o procedimento e ou com intuito de compelir os requerentes a lhes pagarem a quantia pretendida para viabilização da legalização do bem.”
Diz o magistrado de Paragominas frisando que, a bem da verdade, os herdeiros são filhos da Oficial titular do CRI de Paragominas onde foi instaurado o pedido de usucapião extrajudicial e cunhados da Tabeliã Substituta, Maria Cecilia Lopes Peres, que vive em regime de união estável com o herdeiro Paulo Pombo Tocantins, o qual foi o único a anuir o procedimento do usucapião pretendido.
No processo nº 0801571-25.2019.8.14.0039, os requerentes adquiriam a posse, caracterizada como uma área de terras que soma de 2.229,60m2 , com uma área construída de 356,45m2 . A área, objeto desta demanda é referente à parte do imóvel registrado no Cartório de Registro de Imóveis de Paragominas, sob a matrícula nº 164, Livro 2-A, fls. 164, em nome de Amilcar Baptista Tocantins, já falecido, e da senhora Carmem Pombo Tocantins, sendo que várias partes da área registrada foram desmembradas para inúmeras pessoas. O imóvel usucapiendo é composto por diversos lotes que foram adquiridos, pelos requerentes, por meio de contratos particulares de compra e venda, tendo em vista a inexistência de legalização de propriedade dos mesmos.
“A relação entre registros públicos e política faz parte da gênesis do Município de Paragominas. A situação se complica pois as pessoas com vínculo de parentesco com o Cartório inclusive respondem a processos por danos ambientais em imóveis não matriculados. Em 2019, o Ministério Público ofereceu denúncia contra Maria Cecília, companheira de Paulinho, em relação ao corte raso de 568,836 hectares da Fazenda São Francisco.”
Diz o relatório.
No tocante ao Registro Civil de Pessoas Físicas, diz o juiz, por mais que a estrutura física do Cartório do Único Ofício de Paragominas seja muito boa, existem graves problemas em relação ao registro de pessoas, em especial registros de óbitos. Para se ter uma ideia, de acordo com a Ação Civil Pública nº 0803900- 39.2021.8.14.0039 na qual a Defensoria Pública alega que houveram, no período de Janeiro de 2020 à Janeiro de 2021, pessoas inumadas aos finais de semana unicamente com Declaração de Óbito. Neste quesito, o magistrado cita o exemplo de possível fraude para levantamento de valores, nas diligências para localizar os restos mortais de Cícero Aguiar dos Santos Filho, que não foram encontrados para fins de exumação junto ao Cemitério Municipal de Paragominas.
“Considerando que tramitam outros processos nos quais os corpos (cadáveres) não foram encontrados e o objeto da ação deveria ser a declaração de ausência por morte presumida, no entanto com regra tramitaram como registros de óbito extemporâneo.”
Frisa o magistrado denunciando falhas, erros e até mesmo fraudes na emissão das Guias de Sepultamento e nas Certidões de Óbito.
“Assim, requeremos o posicionamento da Corregedoria Geral de Justiça do TJPA para que nos apresente o normativo em vigor que fixa as competências da 2ª Vara Cível e Empresarial de Paragominas, em especial as competências privativas. Caso não haja normativo regulamentando as competências e o único parâmetro utilizado seja a informação (extraoficial) do Sistema LIBRA, a situação será encaminhada ao Conselho Nacional de Justiça para a apurar a omissão institucional.”
Diz o relato encaminhado ao TJ, pontuando que, de 2006 até 2021, apesar de Paragominas ter mais que dobrado de tamanho, especialmente em número de habitantes, foram criadas outras 3 unidades judiciárias e a competência da 2ª Vara Cível e Empresarial
No final do relato, o juiz pondera que a falta de estrutura de pessoal é incompatível com a demanda da Unidade Judiciária e com a realidade do Município de Paragominas, sendo que a 2ª Vara Cível Empresarial de Paragominas acumula o maior número de competências (Família, Empresarial, Agronegócio, Ambiental, Provedoria, Resíduos e Fundações ,Residual), o maior número de competências privativas ( Registros Públicos, Sucessões, Falências e Recuperação Judicial, Acidente de Trabalho) e ainda as atividades de Correição Extrajudicial do Cartório de Paragominas.
O magistrado é taxativo ao afirmar que a 2ª Vara conta com apenas uma analista judiciária, ainda em estágio probatório, ou seja, a instituição não tem possibilitado sequer condições para que sejam constituídas as Comissões de Sindicância e os Processos Administrativos Disciplinares envolvendo o Cartório Extrajudicial. E o juiz botou mais lenha na fogueira ao afirmar que é uma opção do Tribunal de Justiça em não investir e prejudicar ainda mais a prestação jurisdicional e impedir que seja possível exercer de forma correta as atividades jurisdicionais e também correcionais junto ao Cartório Extrajudicial de Paragominas.
“A Secretaria de Gestão de Pessoas do Tribunal de Justiça do Estado do Pará e a Presidência do Tribunal de Justiça do Estado do Pará optaram por não investir na unidade judiciária, a qual é precária em relação a servidores e estrutura física”.
Cutucou o magistrado afirmando, categoricamente, que existe uma omissão institucionalizada, por parte do TJE paraense para favorecer o uso político do Cartório de Registros de Paragominas, com o objetivo maior de encobrir os atos irregulares e de corrupção praticados pelo cartório durante o período de 2012 a 2020.
E o juiz continuou a disparar contra a Corte, ressaltando que os procedimentos administrativos envolvendo o Cartório de Paragominas estão sendo extintos pela prescrição. Na visão do juiz, existe uma omissão gritante por parte do Tribunal de Justiça do Estado do Pará em relação as rachadinha dos cartórios, limitando-se a tratar o assunto como uma mera irregularidade administrativa, onde os envolvidos sequer afastados dos cargos de direção. No caso de Paragominas o Cartório apenas passou a recolher os impostos em agosto de 2021 e nunca recolheu ISS.
Outro Lado
Vamos à reação da titularidade do Cartório e também da Corregedoria do TJ.
A titular do Cartório, por meio de seu advogado, ao se manifestar sobre as alegações feitas pelo magistrado alegou que as afirmações de incapacidade para gerir o cartório, ante a idade avançada e eventual deficiência são de cunho capacitista; que o Sr. Amilcar Tocantins foi efetivamente o primeiro gestor do município de Paragominas e nunca foi oficial do Cartório; que os oficiais das serventias, mais antigos, demonstram mais segurança em suas atividades; que a transferência de patrimônio à família da oficiala é fruto de mera suposição; que o magistrado trouxe à tona fatos discutidos em processos judiciais que devem ser apreciadas apenas dentro deles.
Em relação à alegação de registro de imóveis em nome de parentes, aduz que, em virtude de norma legal, é vedado ao registrador de imóveis possuir bens dessa natureza registrados em seu nome. Em relação à alegação de fraudes em expedição de certidão de óbito, ela é alvo de sindicância e ação judicial próprias e os registros de óbitos dependem de procura dos interessados para efetivação. Ao final, alegou que são alegações levianas do magistrado que buscam a perda de delegação da titular do Cartório.
Já a Corregedoria, ao passar à análise do mérito, uma vez que o magistrado relatou diversos fatos e fez vários pedidos na sua reclamação, dividiu a resposta em vários tópicos : Sobre eventuais irregularidades na nomeação da atual titular do Cartório de Paragominas, Carmem Pombo Tocantins, a mesma recebeu a delegação da serventia por meio de Decreto Governamental assinado em 12.08.1966, quando Paragominas ainda era termo judiciário de São Miguel do Guamá, portanto, não foi do falecimento de seu marido, o ex-prefeito do município de Paragominas Amilcar Tocantins, que ela herdou a delegação para o serviço notarial e registral do município.
Sobre a designação de familiares da titular para trabalhar na serventia, consta nos registros da Corregedoria de Justiça o nome de Diego Nally Lopes como oficial substituto, não havendo registro de qualquer designação de Diogo Junior M. Parente nessa qualidade, embora se reconheça que o mesmo pode figurar no quadro de colaboradores da serventia.
“A administração da serventia, embora trate de delegação de serviço de natureza pública, é privada, nos termos do art. 236 da Constituição Federal de 1988. Por este motivo, a oficial titular é livre para nomear como seu tabelião/registrador substituto ou escrevente, qualquer pessoa que lhe convier, ainda que seu parente. Não cabe ao Tribunal de Justiça interferir nesta nomeação, salvo quando a serventia passa a ser, provisoriamente, administrada pelo Estado, no caso de vacância da serventia (por renúncia, morte ou perda de delegação do titular), ocasião em que se obedecem aos parâmetros estabelecidos pelo Provimento 77/CNJ.”
Diz a corregedoria frisando que magistrado formulou diversas acusações acerca de irregularidades executadas no cartório: da prática de rachadinhas dos cartórios, do uso do Cartório pelo filho da titular com o fito de obter vantagem política, fraudes em registros civis de pessoas naturais, especialmente os de óbitos, não recolhimento de ISS.
“Não obstante, o reclamante não trouxe aos autos elementos ou documentos comprobatórios que permitissem a esta Corregedoria de Justiça proceder à apuração dos fatos e a instauração de procedimento disciplinar próprio, mas apenas relatos repletos de acusações ao Cartório, e, ainda, denúncias de prevaricação ao Tribunal de Justiça e ameaças a esta Corte.”
Diz a Corregedoria do TJ pontuando que o magistrado denunciante não procedeu à Correição Geral Ordinária anual na serventia, o que seria diligência de fundamental importância para verificar o funcionamento da serventia e sua adequação às normas vigentes acerca da matéria extrajudicial. Ao final, a corregedora geral do Tribunal, Rosileide Cunha, determinou ao magistrado que, no prazo de cinco dias, proceda ao esclarecimento das alegações formuladas, com a remessa de elementos concretos.
“É importante destacar que o magistrado requerente fez, neste expediente, acusações muito graves a esta Corregedoria-Geral de Justiça e ao Tribunal de Justiça do Estado do Pará. Ele não se limitou a trazer à tona a prática de fraudes pelo cartório, mas acusou o Tribunal de Justiça e esta Corregedoria de Justiça de conivência com a prática de crimes e omissão no combate a eles, o que consiste não apenas em infração ético-disciplinar, mas, mas pode em tese constituir em crime de prevaricação da direção deste Tribunal.”
Pontuou Rosileide afirmando que, dentre outras acusações, o magistrado mencionou que é uma opção do Tribunal de Justiça em não investir e prejudicar ainda mais a prestação jurisdicional e impedir que seja possível exercer de forma correta as atividades jurisdicionais e também correcionais junto ao Cartório Extrajudicial de Paragominas.
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