A batida da PF no coração da justiça paraense deixou o meio político de orelha em pé. Isso por conta da evidente naturalidade com que os magistrados tratam assuntos “nada republicanos” através de mensagens de celular. Até a manhã desta histórica quinta-feira, 04, era impensável e absolutamente fora de questão um desembargador paraense ter sua casa visitada por agentes da PF. Menos ainda ter um aparelho de telefone apreendido. E é aí que mora a insônia de muitos. Se somente no celular de Parsifal Pontes foi encontrado material suficiente para render uma Operação que movimentou mais de 100 agentes federais, o que não virá à tona com a apreensão de celular não só de um, mas de quatro desembargadores do TJ?
A Operação “Quem Indica”, deflagrada pela Polícia Federal, representa, sem sombra de dúvida, um verdadeiro marco na história do Pará, isso porque, até então, nunca o todo poderoso Tribunal de Justiça paraense havia sido alvo de investigação.
Na chegada dos agentes ao prédio do Tribunal teve de tudo: magistrado passando mal, se escondendo na cozinha, na garagem e até mesmo no banheiro. Alguns temiam por eventuais mandados de prisão. Na casa dos alvos a situação não foi diferente, com policiais federais revirando escritórios e gavetas de desembargadores até então sustentadores de imagens e condutas inabaláveis.
O despacho da ministra Nancy Andrighi, do STJ, datado de 05 de julho, ou seja, um mês antes da deflagração da Operação, determinou que o delegado da PF, Ulisses Assis Ultchak Andrade procedesse, no prédio do TJE do Pará e na residência dos desembargadores Rômulo e Ricardo Nunes, (irmãos), Vania Lucia Silveira e Maria de Nazaré Golveia, a busca e apreensão de aparelhos celulares, computadores e documentos indicativos de associação entre investigados, peculato, prevaricação, concussão, corrupção, exploração de prestígio e ocultação de bens.
A ministra determinou ainda que, quanto aos dados eletrônicos constantes em aparelhos celulares e computadores, que a PF providencie o espelhamento ou cópia de suas memórias, independente de constarem “na nuvem”, autorizando a autoridade policial a proceder o cruzamento de dados resultante do material apreendido com as provas já anexadas nos autos. Ontem mesmo a Polícia Federal marcou a oitiva dos 12 beneficiados pela interferência direta dos desembargadores.
São eles:
(Cota do desembargador Rômulo Nunes)
Márcia Cristina Wanzeler Lemos, Maria de Lourdes Maués Ramos, Regina Coeli Franco da Rocha e Kátia Andrade da Silva, lotados no Iasep, Lindalva Gonçalves de Araújo Nunes, Rômulo Marcelo Ferreira Nunes e Maria do Perpetuo Socorro Nunes Botelho, lotados na Casa Civil.
(Cota da desembargadora Maria de Nazaré Golveia) José Deorilo Cruz Gouveia Santos ( Assessor especial na Casa Civil) e a advogada Jéssica Ferreira Teixeira ( Assessora jurídica do Núcleo de Gerenciamento de Transporte Metropolitano).
(Cota da desembargadora Vania Lúcia Carvalho da Silveira) Roberta Silveira Azevedo Xavier (assessora especial na Casa Civil).
(Cota de Ricardo Ferreira Nunes) Claudia Vidigal Tavares Nunes. (esposa do desembargador -lotada na Casa Civil).
No despacho, a ministra indeferiu o pedido do MPF para que os desembargadores fossem ouvidos na sede da PF em Belém. “os magistrados serão ouvidos, em data oportuna, por um desembargador designado por esta relatora”. Frisou Nancy Andrighi.
Como é público e notório, o TJE do Pará é uma pulsante fogueira de vaidades. Durante a Operação, enquanto uns arrancavam os cabelos e roíam as unhas, outros gargalhavam em segredo. Depois de ter acesso a decisão da ministra, determinando a proibição do contato entre os investigados, alguns magistrados voltaram ao passado, onde, diante de situação tão vexatória prefeririam, mil vezes, usar o sinal de fumaça do que o celular. Não estranhem os leitores se, nos próximos dias, o aparelho de celular do governador do Pará, e de outras autoridades e políticos, seja “roubado”, a exemplo do que aconteceu em uma outra operação da PF.
A operação, por óbvio, sepultou a eleição, até então dada como certa, da desembargadora Maria de Nazaré Golveia como a próxima presidente do TJE do Pará. O irmão dela, Braselino Carlos, ex-presidente do Banpará, até ontem, subia e descia morro, ao lado de Helder à caça de votos para deputado federal. Braselino é outro que caiu em desgraça.
A bem da verdade, a relação promíscua do judiciário paraense com o governo do estado não começou na gestão de Helder Barbalho. Trata-se de uma vergonhosa subserviência que vem de muito longe. E isso é apenas a ponta do iceberg, uma vez que no Ministério Público, o fiscal da lei, a situação não é diferente.
Desde que assumiu a chefia do MP no Pará, o atual procurador geral, Cesar Mattar, faz “cara de paisagem” para o “mar de lama” que se tornou a gestão de Helder Barbalho, cujo nível de corrupção atingiu patamares estratosféricos em praticamente todas as secretarias. Na prática, justiça e MP, ao permitir as maracutais de Helder, chamam o cidadão comum de “otário”.
A investigação que resultou na operação de ontem teve início a partir da análise do material apreendido na Operação Para Bellum, ocorrida em junho de 2020, que apurou fraudes na compra de respiradores pulmonares pelo Governo do Pará. E aí, caros leitores, volta à cena a figura de Parsifal Pontes, uma cobra criada em laboratório pelo clã Barbalho.
Em um dos telefones celulares analisados, apreendido em poder de Parsifal foram localizadas mensagens, pra lá de comprometedoras com os desembargadores Rômulo Nunes, Ricardo Nunes, Nazaré Gouveia e Vania Silveira.
Em uma das conversas, texto que foi grifado no despacho da ministra Nancy Andrighi, o desembargador Rômulo Nunes se refere a Helder Barbalho como o “nosso chefe”, não deixando dúvidas que o governador manda nos membros da Corte. A frase de Rômulo representa a falência da instituição e um tapa na cara do contribuinte paraense.
Parsifal Pontes, que foi preso em uma das operações da PF, tem a promessa do governador de nomeação de sua esposa Ann Pontes, para ocupar uma vaga como conselheira no Tribunal de Contas do Municípios. É voz corrente no Palácio que Ann Pontes, na época em que o marido foi preso, esteve na residência do governador, no condomínio Lago Azul, e ameaçou “abrir o bico” caso o marido não fosse solto.
Uma frase de um conhecido político brasileiro diz, com muita propriedade, que parente de autoridade em cargo público sempre dá problema. Ou para a autoridade ou para o parente.
No Pará, até as pedras sabem que o TJE alimenta, há anos, uma das chagas que corroem o funcionalismo público: o emprego de parentes de autoridades da própria instituição ou de outras, tornando da coisa pública um cabide de empregos. O mau exemplo começa com a própria presidente da Corte, Célia Regina de Lima Pinheiro, cuja irmã, Priscila Rosele de Lima Pinheiro, está lotada na Casa Civil. A bem da verdade, Rosele não chegou na Casa Civil na gestão do atual governador. Ela foi nomeada em 2012, na gestão do tucano Simão Jatene.
A verdade nua e crua, caros leitores, como já publicado aqui em O Antagônico, praticamente todos os desembargadores do TJ têm cargos no governo estadual. Os salários variam entre R$ 5 mil e R$ 7 mil reais, todos com um acréscimo de auxílio alimentação de R$ 600,00, um impacto considerável na folha de pagamento. Diante dessa realidade, não é difícil deduzir porque a gestão estadual não tem contra si decisões desfavoráveis.
Existe uma lista que é passada dentro do Tribunal para que os desembargadores indiquem os nomes. A prática é antiga, corriqueira e rotineira não só no TJE paraense, bem como no Ministério Público e nos Tribunais de Contas. No caso do TJE, por exemplo, a ilustre desembargadora Célia Pinheiro, com a ida do vice governador para o TCM, é a terceira na linha sucessória do governo. Com um parente na Casa Civil, ganhando R$ 7 mil mensais, ela não poderia, via de regra, julgar nenhum feito envolvendo o governador Helder Barbalho. Mas, já o fez em muitos julgados, com decisões nunca contrárias aos interesses do Estado. O Concurso da Polícia Militar é um dos exemplos recentes.
A lista de parentes de autoridades em instituições públicas não é nenhuma novidade e já foi alvo de investigação do Conselho Nacional de Justiça, CNJ. Em 2011, a OAB do Pará, através de seu então presidente Jarbas Vasconcelos, hoje Secretário de Administração Penitenciária, protocolou um Pedido de Providências no Conselho Nacional de Justiça, CNJ, pedindo a instauração de Sindicância Administrativa para apurar ocorrência de nepotismo no TJE paraense e instauração de processos disciplinares contra os magistrados envolvidos.
À época, a OAB revelou que tomou conhecimento, através dos jornais O Liberal e Diário do Pará, da nomeação de diversos parentes de membros do Poder Judiciário pelo Governo do Pará, gestão do então governador Simão Jatene. Àquela altura, chamada às falas pelo CNJ, a Corregedoria do TJ se limitou a informar que não havia, naquele órgão correcional, nenhum procedimento instaurado acerca dos fatos narrados pela OAB. Já o Tribunal de Justiça informou que, tão logo tomou conhecimento dos fatos, instaurou comissão para análise dos casos de nepotismo apontados.
Ao proferir o seu voto, o relator, ministro Silvio Luís Ferreira da Rocha, foi enfático ao declarar que a noção de nepotismo deve ser compreendida à luz do princípio da moralidade, que exige uma atuação honesta da Administração Pública, segundo padrões vigentes numa dada sociedade, não cabendo, nesse aspecto, por parte da administração pública, nomear, para cargos de livre provimento, pessoas que entretenham vínculos de parentesco com membros do Poder, salvo situações excepcionais, sob pena de caracterizar vício, e não virtude republicana.
“No caso em tela, embora a designação de parente de Agente Público ou Membro de Poder não possa caracterizar tecnicamente, “nepotismo”, pela ausência de um ou outro requisito, nada impede seja enquadrada como desvio de poder, e, portanto, invalidade, quando o agente se serve de um ato para satisfazer finalidade alheia a natureza do modo utilizado”. Pontou Silvio Rocha à época, julgando parcialmente procedente o pedido da OAB paraense, determinando, no âmbito do TJE do Pará, que os desembargadores que tivessem parentes na Administração Pública, que se abstivessem de julgar causas em que o Estado do Pará fosse parte, com vistas a preservar a imparcialidade e a idoneidade da magistratura.
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